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Sob o signo de gêmeos

Escrevo no meu último dia com 45 anos de idade. Sempre dá vontade de fazer um balanço e listar o que ainda precisaria ser feito para sentir que tenho ido em busca dos sonhos. Sonhos que mudam (já não quero mais ter casa própria nem qualquer imóvel no meu nome e nem fazer faculdade de Economia nem aprender a jogar tênis ou virar triatleta). Sonhos que permanecem (ainda quero adotar uma criança e viajar para a Croácia com meu pai e estudar russo). De tudo o que já imaginei na minha vida, nunca achei que no ano 2021, com meus quase 46 anos, eu sonharia com vacina e erradicação de uma doença. Que eu sonharia tanto com isso! Mais um ano em que o bolo será compartilhado só com meus filhos e marido, o que está ótimo. Música e um pouco de dança sozinha, o que sempre faço e nem precisa ser aniversário.

Tenho tido crises alérgicas quase que diariamente. A pele começa a coçar, a ficar vermelha e às vezes meu rosto incha. Já conversei com a médica e não conseguimos descobrir o mistério. Tenho começado a achar que é falta de abraço, eu que sou tão abraçadeira. Sobra para os meus filhos. Solta, mãe, solta, mãe! Mas não solto. Agarro quando passam por mim, quando passo por eles, na hora de comer, na hora de dormir, depois das broncas que são muitas. Mãe, você está bem nervosa, por que não vai ler um pouco? Mas tem sido difícil manter a concentração. Caminhamos, eu e eles, até a farmácia, três quarteirões com um pouco de sol de outono nas nossas cabeças, uma saudade das ruas do mundo, no meio do caminho compramos um sorvete para cada um e fico parada na calçada. Mãe, por que você parou? Eles já não são mais tão pequenos para disfarces: onde estávamos indo mesmo?

Mãe, eu sei que seu aniversário está chegando e fico feliz, mas também fico triste porque é um ano a menos que eu terei com você. E não é assim desde que nascemos?, devolvo para ele, que me arregala os olhos. Credo, mãe, você precisa nos lembrar dessas coisas? De tudo o que já imaginei na minha vida também, nunca achei que passaria mais de um ano tão grudada nos meus filhos pré-adolescentes. O mais velho logo faz 12, a idade com que beijei na boca pela primeira vez. Lembrar desse beijo faz parte do balanço. Conto para ele, que me acha muito saidinha. Meu desejo de que ele também estivesse na rua, tentando se desgarrar de mim, procurando bocas para beijar com o coração dando cambalhotas. Sim, ainda vai ter tempo. Ou é o que desejo, que ainda dê tempo, mas penso em todos os anos que vivi, mais um começando amanhã, dia 28 de maio – será por isso que gosto tanto do outono? – e imagino como teria sido passar um deles dentro de casa, cercada de dor e medo. Penso nas guerras. Penso nos genocídios todos, tantos não sabidos, tantos que são e não ganham esse nome. Sempre penso em algo maior, pior, mais terrível, para me mostrar que meu medo é um nada nesse mundo. Cada um com suas defesas, a minha chega a ser bem covarde. Junto a isso a literatura, o vinho e a cachaça (é também nossa salvação, Santo Padre), a consciência de que estou respirando e sonhando e ainda desejando. E ser grata. Muito grata.

 

Mãe, não vai dizer que você quer livros de presente, né?

Adivinha!

Do susto inicial ou das criaturas ou de qualquer coisa que não sei nomear

Escrevo no dia do meu aniversário de 45 anos. Penso em partida de futebol, no apito que anuncia o final do primeiro tempo. O primeiro aniversário, e espero que único, passado em meio a uma pandemia que exige isolamento (no Brasil, por conta da consciência de cada um) social. Ver meus pais pela tela. E agradecer por ter meus pais do outro lado da tela. Mesmo que meu pai ainda esteja no hospital. Nesse andar também nascem bebês, minha mãe me conta, ainda que ela não saia do quarto onde está com o marido. Mas saber que há bebês é tão bom. É, mãe, é tão bom. Lembro do bebê de uma amiga, que conheci essa semana, também pela tela. Quando eu me tirar do isolamento, já que no Brasil é cada um por si – Deus acima de tudo, desde que o Diabo não atrapalhe -, não quero mais amigos pela tela.

Pelo rádio, enquanto escrevo, ouço a voz de Elis, “vivendo e aprendendo a jogar”. É, “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo”, e o juiz apitando no meu ouvido. Nenhum cartão vermelho, alguns amarelos. Penso em “Encontros e despedidas”, “todos os dias é um vai-e-vem”, meus pais lá no hospital, onde também nascem bebês, eu em casa em busca de um raio de sol na mesa da cozinha, meus filhos na sala, o mais velho que acabou de vir até mim para me dar um beijo e dizer “mamãe bonita”, como ele faz várias vezes por dia. Tenho a sensação de que, quando estiver com o ninho vazio, é das vozes infantis que mais sentirei falta. “Mamãe bonita”.

O gato que chega e resolve se instalar sobre o teclado. Todos em busca de alguma quentura. A temperatura caiu muito essa semana, mas já estava frio lá fora. Há alguns meses. Terminei de ler Frankenstein, da Mary Shelley, essa semana. De quantas coisas falamos só de “ouvir falar”, sem saber exatamente do que se trata? Se ouvíssemos mais e falássemos menos… Frankenstein era uma dessas coisas para mim. A criatura sem nome, que passa os dias em busca de escuta. “Escute-me”, é só o que ela pede. Assim como meu outro gato, que mia aos meus pés. Assim como as crianças na sala que me chamam. Assim como mais uma menina negra baleada na cabeça.

Gosto de ouvir minha mãe contar sobre o dia em que nasci, assim como meus filhos gostam de ouvir sobre o nascimento deles. A história de cada um. A criatura de Frankenstein, como tantas criaturas criadas pela elite brasileira, sem ninguém para ouvir sua história. Nós somos as nossas histórias, a Michelle Obama disse isso e eu concordo. Não, não somos só as notas que tiramos nas provas. Somos tão mais. Mi nha mãe, que conta que ficou admirada ao ver meus olhos arregalados logo que me levaram para o colo dela. Ela esperando um repolhinho de olhos fechados e chega uma menina com os olhos bem abertos. Também conta que cheguei virando a cabeça, como se já quisesse entender onde estava. Acho que esse susto inicial, tão visível para minha mãe, nunca me abandonou. Sigo até hoje arregalando os olhos e virando a cabeça para tudo tentar enxergar. E entender. Acho também que enxergo muito, mas ainda entendo pouco. Talvez não vá mesmo entender. Mas uma coisa eu aprendi: a gente quer é escuta. Que no meu segundo tempo eu possa continuar com os ouvidos abertos. E que possa encontrar ouvidos dispostos também. Afinal, se olharmos lá no fundo, no fundo mesmo, queremos todos as mesmas coisas.

Para a Lu, em seu aniversário

Intensa e cheia de vida

Por volta da época em que o ônibus espacial Challenger, da NASA, explodiu, e em que reportagens do Jornal Nacional incensavam os “fiscais do Sarney”, encontrei neste mundo minha irmã do coração.

Em um dos primeiros dias de aula no 2º colegial F, numa escola estadual de Ribeirão Preto (SP), a eu já estava instalada numa carteira próxima ao fundão quando a vi entrar. Em seus 16 anos a Lu tinha o cabelo de um tom castanho aloirado incomum entre nós, a pele branquíssima e olhos verdes. A calça de abrigo cinza clara revelava uma magreza sem curvas, quase como a de um menino, não fossem os seios fartos, mal disfarçados pela camiseta larga. Chamou primeiro minha atenção a expressão de seu rosto: um misto de desafio e indiferença.

Sentou-se justo atrás de mim e logo puxou conversa. Fiquei levemente surpresa e muito grata – as pessoas não puxavam conversa comigo.

Não demorou a se mostrar uma pessoa cheia de atitude, opiniões e ideias originais – totalmente “fora da caixa”, pra usar uma expressão de hoje. Sua desenvoltura em se comunicar, usando expressões e gírias exatas, de um humor inteligente, encantou a todos. Em poucos meses, já era uma figura popular e querida.

Eu, que vinha de um longo histórico de impopularidade, curtia enquanto podia sua companhia, esperando a hora em que seria expulsa também do “Clube da Lu” – estava acostumada a ser excluída dos grupos tão logo detectavam minha inabilidade social. Nunca aconteceu.

Esta é uma das coisas lindas na Luciana e a razão de nossa amizade durar mais de 30 anos: sempre teve um coração disponível e amoroso. Tem afeto para dar e vender e absolutamente nenhum tipo de preconceito. Nasceu aceitando todo tipo de diferença.

Já naquela época tinha muita facilidade de se apaixonar… por garotos, amizades, músicas, filmes, causas… Também decepcionava-se e sofria com a mesma intensidade – nunca foi de meios termos.

Irmãs

Cativante, conquistou nossa família inteira sem esforço, apenas sendo! Morou em nossa casa duas vezes, antes e depois de ir encontrar a mãe em Maceió, pois havia fugido, apenas poucos meses após nos conhecermos, da casa do pai, com quem foi morar após o divórcio deles.

Trocou um quarto só seu em um apartamento grande e confortável para dormir no chão de meu quartículo, em um cubículo de Cohab modesto. Comeu nossa humilde comida e usou nosso apertado banheiro como se sempre tivesse sido uma de nós.

Até hoje a Lu chama minha mãe de “tia” e meu pai de “papi”, e eles a ela de “filha”. Em minha colação de grau em Jornalismo, ela estava com minha família na plateia, na merecida posição de “irmã do coração”.

Quando me separei de meu marido, uma vez, cercou-me de atenções e carinho mesmo de longe, gastando ligações de celular (não sei se tem ideia do quanto isso foi importante).

Achei que nossa amizade esfriaria com o tempo e a distância. Também nunca aconteceu… graças a ela, que em um tempo sem computadores e e-mails, escrevia cartas periodicamente e nos surpreendia vez ou outra com uma ligação interurbana. Nunca esquecia datas e eventos importantes e chegava a me dar broncas homéricas (merecidas) quando era eu quem passava muito tempo sem dar notícias (sabe ser brava!)

Estilosa!

Não sei se ela sabe que sua amizade sempre me encheu de orgulho e alguma vaidade (admito!), pois sempre a achei – diferente de mim – linda, interessante, engraçada, muito estilosa e cheia de vida, coragem e histórias. Acumula um monte delas viajando para diferentes partes do mundo (invejaaa!), sempre em busca de conexões… com a natureza e pessoas de verdade (fotos aí embaixo pra provar).

E é tão talentosa! Tudo o que se propõe a fazer, faz bem – fotos, planos de marketing, design de interiores, look de moda…

Temos em comum o signo de Virgem e uma tendência a nos deprimir quando a vida se torna real demais – apesar do elemento Terra, nossas cabeças sempre estiveram no ar, dicotomia que nos exige, às vezes, uma flexibilidade emocional além de nossas forças.

Por falar em signo, hoje é seu aniversário e, em vez de fazer o tradicional telefonema de congratulações, decidi colocar no “papel” os motivos pelos quais ela consta na lista de “coisas pelas quais ser grata em minha vida”, encomendada por meu terapeuta.

Tive que resumir, pois não caberia nem mesmo no espaço infinito da internet o tamanho de minha gratidão pela Lu existir e ter me eleito, contra todas as probabilidades, entre seus afetos.

Feliz aniversário minha irmã do coração!

Gratidão eterna!

 

 “Cheia de vida e histórias. Acumula um monte delas viajando para diferentes partes do mundo, sempre em busca de conexões… com a natureza e pessoas de verdade”


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