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‘O Primeiro Homem’: cara a cara com a Lua

por Elcio Thenorio

 Quiçá não, mas tudo indica que um dia teremos de extrapolar, exorbitar, sair da Terra para povoar outros mundos. Essa é uma ideia recorrente do imaginário da humanidade que perpassa autores de escolas tão distintas quanto as de Julio Verne e Isaac Asimov. E não sem razão: enquanto a população mundial cresce a assustadores 0,33% ao ano, projetando uma população de 9 bilhões de almas para 2050, a área do planeta segue imutável em seus escassos 510 milhões de quilômetros quadrados, aí inclusas as águas e as terras inabitáveis.

Nosso berço no cosmo é limitado e já dá claros sinais de que desse limite nos aproximamos a uma velocidade perigosa. Porém, as ameaças à permanência humana na Terra não vêm apenas da superpopulação, mas também da ignorância do homem, perfeitamente retratada na recente retirada de seus países do acordo de não-proliferação nuclear pelos presidentes dos Estados Unidos e da Rússia, duas potências armadas até os dentes. Talvez, quem sabe, nós mesmos diligentemente cuidemos de destruir nossa nave-mãe.

Diante desse quadro funesto, ou talvez movido apenas por sua ancestral e inescapável compulsão pela aventura – ou ambos – o ser humano trata de preparar suas opções de partida. Missão intrincada, que exige a exploração das fronteiras da tecnologia e do mais criativo engenho humano. Lançar-se no vácuo, cobrir distâncias astronômicas, singrar as solitárias vastidões desconhecidas do espaço é um dos maiores desafios já enfrentados pela espécie humana, que até aqui tem se saído relativamente bem. Mas a duras penas.

Para que chegássemos só até ali vidas se perderam, anos de empenho viraram pó em tentativas frustradas, somas incontáveis de dinheiro foram gastas para que discretos avanços fossem feitos. Da reunião desses esforços obtivemos até agora alguns resultados, dos quais dois se destacam: uma sonda não tripulada, a Voyager 1, ultrapassou os limites do Sistema Solar e hoje, a 17 bilhões de quilômetros do Sol, é o objeto mais distante já feito pelo homem. E seis missões Apollo, tripuladas, pousaram sobre a Lua.

“O Primeiro Homem” é a história da primeira delas que deu certo.

O filme acerta em mesclar as dificuldades técnicas enfrentadas por engenheiros e astronautas da NASA, a agência espacial norteamericana, com o drama pessoal vivido pelo comandante da Apollo 11, o primeiro homem a pisar na Lua, Neil Alden Armstrong. Escolhido dentre outros pilotos navais por sua calma diante de situações adversas, Armstrong lidava com a perda de uma filha enquanto seu nome era cogitado para ocupar o assento principal. E tudo se dava em meio a um frenesi, causado pela corrida espacial na qual levava vantagem a arquiinimiga União Soviética, que houvera sido a primeira a colocar em órbita tanto um artefato, o satélite Sputnik 1 (outubro de 1957), quanto o primeiro ser vivo, a cadela Laika, a bordo do Sputnik 2 (novembro de 1957) – e ainda o primeiro homem, Yuri Gagárin, a bordo da nave Vostok 1 (abril de 1961). (“A Terra é azul” disse ele).

Estamos em 1969 e, oito anos antes, o então presidente John Fitzgerald Kennedy proferira seu profético discurso “Vamos à Lua”, no qual praticamente prometera que os Estados Unidos realizariam tal proeza “nesta década”. Realizá-la antes dos anos 70 era, portanto, uma questão de honra nacional para os americanos. Mas a corrida contra o relógio cobrava seu preço: em janeiro de 1967, durante os testes do Programa Apollo, três astronautas morreram carbonizados com o foguete ainda no solo, quando um incêndio destruiu a cabine de comando.

Em meio à comoção causada por essa perda, Armstrong, obrigado pela mulher, tem de enfrentar a dura realidade de contar aos filhos que papai pode nunca mais voltar. É um momento pungente que faz refletir sobre a divisão psicológica pela qual devia estar passando aquele pai-herói. Mas este era um homem obstinado, que não recuaria diante do medo, da dor ou da perda. E eis que já é hora do embarque! Todos a bordo, desresce a contagem regressiva, ativam-se os gigantescos motores do Saturno V, foguete que leva na ponta o módulo Apollo, e cheia de combustível e esperança a imensa nave se eleva no ar…

Três dias de viagem claustrofóbica e tem início o processo de alunissagem: enquanto o módulo de comando circunda o satélite natural da Terra, o módulo lunar, chamado Eagle, desprende-se e desce à superfície. E então o primeiro drama: com apenas 2% de combustível restante, Armstrong ainda não encontra um terreno propício ao pouso, que só se dá nos derradeiros segundos antes da tragédia. “Houston, o Eagle pousou!”, diz. Abre-se a escotilha e estamos cara a cara com a Lua! É quando o comandante desce pela escada e, ao pisar no poeirento solo lunar, profere a frase histórica: “Um pequeno passo para o homem, um gigantesco salto para a humanidade”.

Pequeno passo… gigantesco salto… Tudo muito relativo quando se trata de viagens espaciais. Este feito fantástico cobriu a ínfima distância de um segundo-luz. Quase nada quando se sabe que a estrela mais próxima, Alpha Centauri, está a quatro anos-luz, ou trinta e oito trilhões de quilômetros, da Terra. Na velocidade atingida pela Apollo 11, de 8.300km/h a viagem até lá levaria mais de quinhentos e vinte mil anos. Mas, sendo o universo o mistério insondável que é, tudo é possível. Talvez se descubram formas de vencer esta lonjura com as quais hoje nem sonhamos. Afinal, o principal já foi feito: Armstrong deu o primeiro passo.

Elcio Thenorio é jornalista, concurseiro e um amigão

Amigos na Ponta dos Dedos

ELCO THENÓRIO *

Com o advento das redes sociais as relações interpessoais tornaram-se expressas, imediatas, ao alcance de um clique. Isso não significa necessariamente que tenha havido modificações estruturais na forma como as pessoas se relacionam, pois mudam os meios e não as mensagens, mas certamente tornou-se mais fácil monitorar as próprias relações com o nosso universo de parentes, amigos e conhecidos. Aliás, até de desconhecidos os quais, graças a essas redes, hoje caem de paraquedas nas nossas vidas.

Assim, ao abrir o Facebook, por exemplo, que das redes sociais é a mais social, vejo à minha frente um verdadeiro mapa de como anda minha amizade com cada um daqueles “amigos”, entre aspas porque nem sempre o são (aliás, qual seria a palavra correta neste caso? Ciberamigos? Facefriends?).

E o que vejo? Vejo parentes com os quais não mais me relaciono, outros que sim embora nunca. Vejo amigos de verdade que me são tão caros na tela quanto na vida real, alguns em outros continentes. Vejo conhecidos de todos os matizes, dos mais familiares àqueles que nem sei de onde os conheço. Vejo completos estranhos que, por uma razão ou outra, vieram dar com os costados (virtuais) ali. E vejo até – para o cúmulo do assombro – pessoas queridas que, bem sei, já neste mundo não existem.

Vejo, enfim, num relance meu entorno social clara e ordenadamente catalogado.

Só não vejo aqueles que um dia foram amigos, os quais a vida, ao fluir pelas curvas de seus meandros, desviou para longe. Pessoas que me foram caras num passado, recente ou remoto, mas que já não pertencem ao meu círculo. Algumas que me baniram de suas relações, outras que as bani eu. Algumas das que me cortaram relembro com pesar, outras com alívio. Das que cortei, invariavelmente sinto alívio ao delas me lembrar.

Alguém disse que “ex-amigo não existe, o nome disso é filho-da-puta”. Eu não iria tão longe. Acho natural que certas pessoas, do bem, que até foram queridas um dia, tenham enveredado por caminhos outros, porque nesta nossa vida alguns vieram para ficar, outros estiveram de passagem.


‘Vejo, enfim, num relance meu entorno
social clara e ordenadamente catalogado’


Há algum tempo fiz uma incursão de bicicleta pelo sul da América e diariamente postava a evolução do pedalar bem como, sempre que dava, uma reportagem acerca de qualquer pauta sobre sustentabilidade com a qual me deparasse. Isso fez com que centenas de pessoas afeitas ao ciclismo e/ou à aventura, mas que me eram totalmente ignotas, se agregassem ao meu perfil. Por essa razão, e só por essa, tenho hoje mais de 1.600 “amigos” no Facebook. A grande maioria, desconhecida, silenciei, o que significa que só sei deles quando a rede me avisa que aniversariam. Mas o curioso é que não os deleto… Estão lá, como esqueletos no armário, entes dos quais sequer o ectoplasma se manifesta. Mas estão lá. Refletindo agora, acho que me agrada ostentar 1.600 amigos, ainda que eu seja uma das pessoas mais solitárias que conheço. É mais do que raro que esteja diante de mim algum deles animado em carne e osso.

Certa feita ao telefone um velho e grande chapa, daqueles de ter morado juntos, me disse: “Nunca te falei, mas não me sinto à vontade na tua presença” – e desse dia, há mais de uma década, nunca mais nos vimos ou falamos. Por um tempo, chocado, o rotulei negativamente, para ser ameno, a cada vez que de sua pessoa me lembrava. Depois, como tudo amadurece, até os pensamentos, passei a admirá-lo. Isso porque invertendo a situação, há um amigo na presença do qual eu não me sinto à vontade – mas ao qual até hoje eu não tive a coragem de dizer tão sinceras palavras. Apenas sumi inexplicadamente.

Desnecessário dizer que não sou perfeito e esta é mais uma prova disso. Porém, relembro estes dois episódios para seguir discorrendo sobre a natureza das relações humanas nos internéticos dias atuais – sem com isso pretender chegar a alguma excelsa conclusão filosófica. Chegue quem lê, parodiando o poeta. Mas no perfil do primeiro, que já não mais está atrelado ao meu, às vezes entro por uma mórbida curiosidade de saber a quantas anda meu velho camarada. No do segundo jamais o fiz. Parece que não me sinto à vontade sequer de fazê-lo. Mas o fiz neste exato momento e constato que, mesmo abandonado, não me cortou. Surpreendentemente, porque as pessoas não lidam bem com o abandono.

Exemplifico: num outro caso, mais recente, um grande amigo não respondia aos meus convites para nos encontrarmos no mundo real. Uma cerveja, um papo, matar as saudades…Tentei por umas quatro vezes. Eu de fato o tinha em alta conta. Porém, aquele silêncio foi me incomodando no início e por fim exasperando. Então, num arroubo de zanga, ressentimento, deletei-o sumariamente. O tempo passou, a raiva idem, e há meses enviei-lhe um convite – sempre pelo Facebook – para reatarmos. Ignorou. Tentei novamente com o mesmo resultado. E agora estou na dúvida se tento pela terceira vez ou o mando à merda definitivamente – não sem uma ponta de culpa, outra de arrependimento e, ainda, uma terceira de consternação. Afinal, em breve estaremos ambos mortos.

Lembro-me da sensação de desalento que já por vezes senti quando, ao aperceber-me de que determinad@ amig@ há tempos não dava as caras ia ao seu perfil… só para descobrir que el@ me havia extirpado. Nessas horas sempre costumava me passar pela mente como que um filme do que havia sido nosso relacionamento – e era comum acabar por atinar com a razão que @ havia levado a agir de maneira tão radical para comigo. É como num matrimônio em que as relações se vão deteriorando sem que uma das partes se dê conta em tempo hábil de reverter o estrago.

Seja como for, o que realmente parece ter se firmado é a certeza de que cortar alguém de sua rede social é a forma moderna de se dizer “adeus”.


Esta crônica termina aqui, mas se o assunto lhe agradou talvez gostará do singelo conto “A Tarde“, escrito há tempos com alvitres de meu amigo Leonardo Colosso. Nele, procurei abordar este tema pelo viés mais humano possível. Espero que aprecie.

 

(*) Elcio Thenório é jornalista e apresentador, “pai de gato” e amigo
“indeletável” (do Face da vida)


 

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