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As Sensações de Inhotim

MARIANGELA GUMERATO *

Depois de me surpreender com a estrutura de primeiro mundo do Instituto Inhotim, veio um banho de água fria com a notícia do desvio do dinheiro doado para o empreendimento que se transformou no maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo. Segundo o Ministério Público, um fundo estrangeiro fez uma doação milionária, de 95 milhões de dólares, que teriam sido usados em outras empresas do setor de metalurgia que pertenciam ao fundador de Inhotim.

O público que visita esse patrimônio cultural no município de Brumadinho, perto de Belo Horizonte, fica encantado com a arte no meio de imensos jardins cercados de lagos e plantas de inúmeras espécies.

Quem conhece museus fora do país sabe que Inhotim é de nível incomparável até com os maiores museus de arte contemporânea. O fato de ter dezenas de galerias espalhadas entre 110 hectares de uma antiga fazenda faz de Inhotim um lugar único e que orgulha seus frequentadores.

Grandes nomes da arte contemporânea nacional e internacional ganharam espaço para mostrar suas elocubrações, e quem está aberto às reflexões entra na viagem da proposta artística.

Um curador de museus da Itália conheceu Inhotim, recentemente, e teria achado o espaço o resultado de muita ostentação. Como um lugar tão maravilhoso, bem cuidado, no meio da natureza exuberante, sobrevive num país tão miserável como o Brasil?

Vermelho ou verde para Bernardo Paz, o criador de Inhotim?

Como em uma das instalações do parque, o vermelho é a cor preferida do artista que fez a casa da cor do sangue. E hoje, nela, jorram lágrimas no cômodo obscuro.

A beleza que comove contrasta com o pisar literalmente em cacos de vidro, a obra do artista da grande bola de plástico num campo de concentração.

Melhor se jogar na rede colorida ouvindo Jimi Hendrix e se alienar em uma das salas do prédio de Hélio Oiticica, que procurou reproduzir o efeito da cocaína na mente.

O visitante entra em um conto de fadas, passa por um jardim de ervas em forma de mandala, pelo vandário de orquídeas e, no meio da floresta, encontra um banquete de velas acesas na grande mesa.

Dentro do prédio moderno com espelho de água se depara com a parede de azulejo quebrado com as vísceras expostas como se tivessem sido cortadas na própria pele.

Outro paradoxo é o trator de rodas gigantes enlameadas dentro de um domo geodésico, carregando uma árvore branca. Seria um pedido de paz pelo desmatamento?

No alto do morro um artista ousou fincar estacas de ferro numa poço de concreto, que dá um clima de Blader Runner.

O som da terra se transformou numa inusitada instalação no ponto mais alto, a 1300 m de altitude – uma sensação extrasensorial que lembra o Om, o primeiro som do universo. Silêncio total na redoma de vidro para deixar o clamor ecoar.

O carrinho elétrico percorre as alamedas de um ponto ao outro, mas é preciso caminhar, descobrir as outras surpresas que mexem com todos os sentidos.

São mais de 500 obras. Não dá para descrever cada uma delas e o que elas provocam no expectador.

Apesar da denúncia de desvio de verbas, tão corriqueiro no Brasil, parece que Inhotim vai continuar aberto. Quem ainda não viu esse paraíso, não deixe de ir. Inhotim devia estar no livro “Mil lugares para conhecer antes de morrer”.

 

(*) Mariangela Gumerato é jornalista, entusiasta cultural, amiga
querida e palavreira destemida


 

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