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‘Um Lugar Silencioso’: menos é mais

por Régis Martins     

Filmes de gênero são sempre tratados com certo desdém pela turma do Oscar em Hollywood. Que o diga Stanley Kubrick que investiu em filmes de guerra, terror e ficção científica com a sua genialidade peculiar, mas foi esnobado pela academia a vida inteira.

‘Um Lugar Silencioso’ sofre desse mal. Trata-se de um terror/suspense que vai além dos clichês do estilo, mas vai concorrer apenas a categoria técnica de Melhor Edição de Som na cerimônia desse domingo.

Melhor sorte teve “Corra”, filme de Jordan Peele, que no ano passado faturou Melhor Roteiro Original e foi indicado a outras três categorias. Mas não se deixem enganar, o filme dirigido por John Krasinski, que também atua ao lado da mulher, Emily Blunt, merecia mais. É um daqueles produtos baratos – para os padrões de Hollywood, claro – que consegue tirar leite de pedra.

Na trama, uma família vive num mundo pós-apocalíptico assombrada por criaturas cegas que atacam tudo que faz algum tipo de barulho. Por isso, os humanos precisam viver em absoluto silencio para sobreviver. Depois de uma tragédia inicial, a trama discorre num clima de tensão, culpa e medo.

John Krasinski em cena no primeiro filme que dirige: boa surpresa

Podem-se fazer diversas leituras filosóficas/político/sociais da trama: porém enxerguei ali um drama familiar e, principalmente, a aflição da paternidade/maternidade nos dias atuais. Como proteger nossos filhos de um mundo apavorante, barulhento e caótico?

Ao optar  por estilo minimalista, sem excessos, Krasinski mostra que, quando o assunto é terror ou suspense, menos é mais. Com poucos diálogos e poucas explicações, o longa dá espaço à imaginação do espectador, sem truques baratos e baboseiras sentimentalóides.

Outro detalhe que chama a atenção é que uma das crianças, a atriz Millicent Simmonds, realmente é deficiente auditiva. Sua personagem é um dos pontos altos da trama, porque carrega consigo toda a dor de existir num ambiente inóspito.

Ela e Emily Blunt estão muito bem e mereciam pelo menos serem indicadas para o Oscar. Mas, vocês sabem, o mundo é injusto.

 

Régis Martins é jornalista, músico/compositor e cinéfilo

Vício inerente

REGIS MARTINS

Chet Baker was a gifted trumpeter and jazz icon.

Estava eu pensando sobre o que escrever para os leitores do Palavreira, quando dia desses assisti a um filme baseado na vida do trumpetista Chet Baker (1929-1988), com o Ethan Hawke no papel principal. O título é muito bom – “Born to Be Blue” – nome de uma das canções mais famosas do jazzista, mas o longa em si não tem nada de excepcional. Apenas correto.

O fato é que Chet era um talento raro e, galã, foi considerado o James Dean do jazz. Tinha o mundo aos seus pés, porém, era um junkie inveterado e deixou um rastro de destruição por causa do vício.

Todo mundo tenta ajudar o cara, mas é um caso perdido. Na verdade, o que me chama a atenção nisso tudo, e até me assusta, é o tipo de autoconsciência de certos viciados.

São pessoas carismáticas e inteligentes que, conhecendo bem sua natureza, sabem que não vão sobreviver sem a droga. E vão se autodestruindo lentamente, numa grande valsa do adeus.

No começo do filme, sua namorada quer saber o motivo de um cara como ele se tornar um viciado. “Problema com os pais?”, ela pergunta.

“Não, nada disso”, responde Chet/Hawke e emenda: “É porque eu gosto de ficar doidão”.

Bom, essa é basicamente a resposta para um grande enigma do universo. As pessoas se drogam/fumam/bebem/comem/apostam em excessos porque gostam. A compulsão é uma velha amiga nossa.

A questão é: qual o limite?

Nos filmes “Ninfomaníaca 1 e 2” do dinamarquês Lars Von Trier, o diretor usa o sexo para tratar desse tema espinhoso que é o vício. Em dado momento, a personagem principal, Joe, vai participar de uma terapia em grupo e, de repente, se dá conta de que aquilo tudo não vai ajudá-la em nada. Simplesmente porque o vício faz parte de sua natureza. A busca pela cura era como uma negação de si própria. No final das contas, Joe aceita sua situação, a “fratura” que compõe sua alma, consciente de suas consequências.

Chet tinha consciência também, e pagou caro por isso. Devastado pelas drogas, morreu sozinho em Amsterdã, aos 58 anos, depois de “despencar” da janela de seu apartamento.

Reconhecer nossos demônios é um grande passo. Sobreviver a eles são outros quinhentos. E segue o barco!

 

(*) Regis Martins
Jornalista, músico, pai da Marina, avô da Helena e ‘palavreiro’
cultural de mão cheia


 

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