Categoria: CINÉLIDE

O metacinema de Sintonia de Amor

A diretora norte-americana Nora Ephron sempre foi mestre em acionar o inconsciente feminino em suas aparentemente superficiais comédias românticas. Em meu filme preferido dela, “Sintonia de amor” (Sleepless in Seattle, EUA, 1993), a diretora usa o processo de atração de Meg Ryan por Tom Hanks (uma jornalista que se apaixona por um viúvo após ouvi-lo descrever as saudades da mulher pelo rádio) para um exercício muito divertido de metalinguagem: uma comédia romântica analisando o universo das comédias românticas a partir de uma comédia romântica em particular – “Tarde demais para esquecer”, citada pelos personagens o tempo todo.

Atenção para estas cenas: ‘entendedores entenderão’

Nora brinca com o repertório de símbolos narrativos que, reunidos em um filme, o fazem ser entendido – e consequentemente cultuado – só por mulheres. Exemplo de uma dessas “brincadeiras” é a cena em que o viúvo conta para o casal de cunhados ter recebido carta de uma fã (Meg) sugerindo um encontro às escuras no topo do Empire State Building, em Nova York, no Dia dos Namorados. Na hora a cunhada entende a relação com “Tarde demais para esquecer”, em que os personagens de Debora Kerr e Cary Grant marcam o mesmo encontro. As cenas que se seguem, com cada um descrevendo uma cena de filme que lhe fez chorar, são simplesmente hilárias! Dá pra ver que os atores se divertiram ao gravá-las.

O filme conta ainda com as atuações pra lá de carismáticas de Tom Hanks e Meg Ryan, que até tentou se livrar do rótulo de atriz de um só gênero atuando em dramas como “Em Carne Viva”, “Coragem sob Fogo” e “O Outro Lado da Nobreza”, entre outros, mas não adiantou. Todos nos lembramos dela por seus papeis em comédias românticas, como esta e “Mens@gem pra você”, “Surpresas do Coração”, “Kate & Leopold”, etc.

Só para constar… não pertenço ao fã-clube de “Tarde demais para esquecer” (acho piegas de doer!), mas, de uma forma geral, ADOOOOORO “filmes de mulherzinha”!

#prontofalei

‘Férias Frustradas de Verão’: clima dos anos 80

Quem foi adolescente na década de 1980 se lembra das “brincas” (de brincadeiras), reuniões dançantes que quem ainda não tinha idade pra frequentar boates e discotecas improvisava em casa mesmo, instalando luzes estroboscópicas na parede, apagando todas as luzes da casa e caprichando na playlist do 3 em 1 (aparelho de som que unia toca-discos, toca-fitas e rádio AM-FM). Na pick-up, vinis de The Cure, Simple Minds, Journey, David Bowie, U2 e todo o delicioso som dançante que a década produziu.

Lembranças como essa com certeza virão à memória de quem viveu a “geração 80” ao assistir “Férias Frustradas de Verão” (Adventureland, EUA, 2009). Protagonizado por Jesse Eisenberg e Kristen Stewart novinhos – antes de se tornarem estrelas de sucessos como “A Rede Social” e “Crepúsculo” -, trata-se de um romance adolescente daqueles bem levinhos,  ambientado em 1987, numa vizinhança de classe média baixa.

Eisenberg interpreta um nerd romântico, recém formado no Ensino Médio, que vê seu plano de férias na Europa frustrado quando o pai tem problemas no trabalho. Com o objetivo de levantar recursos para a faculdade, ele aceita um emprego de verão no parque de diversões do título original, onde conhece a enigmática colega de trabalho Emily (Kristen). Aparentemente opostos – ele tímido e virgem, ela cética, já com  vida sexual ativa -, eles se aproximam aos poucos, de uma forma doce e sem jogos, até que uma revelação coloca em cheque a relação antes mesmo dela engrenar.

O que mais gostei, neste e no filme anterior de Greg Mottola (o também ótimo “Superbad”),  foi a forma original, livre de fórmulas, com a qual a história é desenvolvida. Não há grandes análises existenciais, mas nem mediocridade… apenas uma forma simples, doce e sincera de se olhar a juventude que o cinema  vem perdendo.

A trilha sonora, grande responsável pelo clima dos anos 1980, também é de arrasar. Inclui, além das bandas já citadas no início do texto, gravações de Lou Reed e seu Velvet Underground, entre outros ótimos representantes do rock da época.

Ótima pedida para uma Sessão da Tarde!

‘Distrito 9’: aliens na favela

O diretor Neil Blomkamp na época do filme

Estreia na direção do sul-africano Neill Blomkamp, “Distrito 9” (District 9, EUA/ Nova Zelândia/ África do Sul, 2009) foi aclamado pela crítica especializada na ocasião de seu lançamento. Mereceu! Este misto de  ficção científica e thriller social foge aos padrões do cinemão, trazendo um sopro de frescor a ambos os gêneros.

O filme começa em tom documental, entrecortando cenas de violência em Johanesburgo (capital da África do Sul) com depoimentos de sociólogos, assistentes sociais, moradores e agentes governamentais, que descrevem, como se estivessem sendo entrevistados, porque a formação de uma favela torna-se uma “pedra nos sapatos” das autoridades. Quando o governo resolve despejar seus moradores e transferi-los para uma área mais distante da cidade, o funcionário público padrão Winkus Van Der Merwe é encarregado da operação, que não se dará sem imprevistos (um deles caro demais a seu perfeito modo de vida).

Até aí, o argumento de “Distrito 9” não soaria muito diferente dos de outros thrillers não fosse um importante detalhe: os habitantes da tal favela são alienígenas, cuja nave “encalhou” nos céus da cidade após a perda de um módulo. Numerosos, desnutridos e inexplicavelmente amistosos, embora tragam na bagagem armas de grande poder letal, eles foram aprisionados nesta região, que é demarcada por cerca eletrificada. As armas alienígenas são cobiçadas pelo Governo, que tenta a todo custo descobrir uma forma de usá-las, pois sua tecnologia só funciona em contato com o DNA dos “camarões” – termo pejorativo pelo qual os aliens passam a ser chamados.

Não darei spoiler sobre como a história se desenrola a partir desse argumento, mas posso dizer que a trama é tão bem amarrada e o ritmo tão eletrizante que quase nem reparamos na precariedade dos efeitos especiais  – para mim, só mais uma prova de que é a tecnologia que deve servir de suporte a uma [de preferência boa] história e não o contrário.

Também gostei de o filme não assumir ares panfletários e nem pretensões de crítica social. Claro que o espectador medianamente informado sobre as realidades sociais mundo afora não terá dificuldade em traçar suas próprias analogias, mas poderá fazê-lo sem nenhum prejuízo do entretenimento. Ou seja, todo mundo ganha, quem assiste a filmes só para fugir da realidade e quem também gosta de pensar.

O final deixa margem a uma continuação. Vou torcer para ela rolar.

Piratas do Rock: divertidíssimo!

‘Divertidíssimo’ é o adjetivo que define o clima de “Os Piratas do Rock” (“The Boat That Rocked”), comédia inglesa dirigida por Richard Curtis (de “Simplesmente Amor” e “Nothing Hill”). O roteiro foi inspirado na revolução das rádios piratas britânicas dos anos de 1960 para narrar histórias e aventuras vividas por um grupo de amigos DJs dentro de um navio de pesca transformado em emissora.

Logo na abertura o filme já diz a que veio, tascando o rock “All Day And All Of The Night”, do The Kinks, quando um garoto liga o rádio que tem escondido debaixo do travesseiro. Imediatamente aparecem cenas de ingleses de todas as castas e penteados vintage dançando ao som da Rádio Rock, àquela hora da noite com locução do auto-confiante Count (Phillip Seymour-Hoffman, mais uma vez demonstrando sua versatilidade).

Daí para frente, acompanhamos a chegada ao navio do adolescente Carl e conhecemos junto com ele a rica variedade daquela “fauna masculina” formada por DJs de todos os estilos e personalidades – desde o “come-todas” gordinho Dave até o romântico e casto Simon, passando pelo estúpido Kevin. O único elo de ligação entre estes loucos é a grande e intocável paixão em comum pelo rock’n roll, que, aliás, está presente em cada cena do filme.

A música é um personagem à parte. Desfilam pela trilha sonora desde Beach Boys e Cat Stevens até Jimmi Hendrix, passando por Rolling Stones, The Who, Dusty Springfield, entre outros, numa rica demonstração da variedade que o rock da época produziu.

E o filme segue de uma situação engraçada a outra – bem ao estilo do sutil humor inglês, registre-se – até o final precipitado por uma armação do governo, que passa o filme todo tentando acabar com o combustível das rádios piratas: a popularidade.

Fica a dica: assistam e divirtam-se.

Bravo, Patrick!

Quando o ator Patrick Swayze perdeu a batalha para um câncer no pâncreas, contra o qual lutou por 20 meses, os noticiários homenagearam sua memória com imagens de seus filmes mais celebrados: “Dirty Dancing” (EUA, 1987), que o alçou à fama, e “Ghost – Do outro lado da vida” (EUA, 1990), que o consagrou de vez. Já eu sempre me lembrarei dele por meio de um filme muito pouco festejado e quase nunca lembrado em sua filmografia, mas que sempre me toca o coração cada vez que revejo: “Para Wong Foo, obrigado por tudo! Julie Newmar”.

Há quem diga que este road movie transgênero foi uma resposta hollywoodiana ao cult instantâneo “Priscila – Rainha do Deserto”, (Priscila, AUS, 1994), sucesso de público e crítica de um ano antes. Nele, Patrick e os atores John Leguizamo e Wesley Snipes envergam saltos altos, enchimentos, quilos de maquiagem e modelitos esvoaçantes para interpretar três classudas drag queens.

O filme começa com as três decidindo atravessar os Estados Unidos em um conversível com o objetivo de participar de um concurso de beleza numa metrópole. No meio do caminho, porém, o carro quebra em um vilarejo, onde elas são forçadas a passar alguns dias esperando a peça necessária  para o conserto. Claro que o tempo que passam no local muda para sempre a vida daquela comunidade, que aprende muito sobre tolerância, auto estima e sororidade com as novas “amigas”.

A cada vez que revejo o filme volto a me surpreender com a delicadeza e entrega com que os três atores interpretam seus papeis. Acho que é o filme em que Swayze foi mais ator (vamos combinar que, na maioria de suas demais atuações, ele esbanjava mais carisma do que dramaticidade!).

Já na vida real, parece que ele se desincumbiu muito bem de todos os papeis que assumiu. Consta que foi bom amigo, bom pai e bom marido. Permaneceu casado por 34 anos com a mesma mulher, com quem dividiu também a sociedade em uma escola de dança. Não deixou a fama subir à cabeça e soube conciliar com leveza vida pública e privada.

Bravo, Patrick!

 

 

Vamp filosofia

Acabo de assistir ao que acredito seja o ápice da segunda temporada da série “True Blood”, o episódio 9, “I Will Rise Up”. Duvido que algum outro momento da série consiga suplantar a beleza das últimas cenas deste episódio, em que um vampiro milenar e sábio renuncia à eternidade.

Não entrarei em detalhes sobre a cena e nem sobre os últimos dois saborosos episódios que contaram com a presença do personagem Godric, um vampiro de 1.800 anos (não quero estragar o prazer de quem acompanha a série). Basta saberem que fiquei tão tocada com a forma como se deu a saída de cena de tão rico personagem que não resisti a compartilhar.

“True Blood” é mesmo surpreendente. Quando se pensa que trata mais de sexo, surpreende com um romance denso; enquanto em um núcleo costura uma aventura bem amarrada, no outro equilibra referências super atuais de ódio e incompreensão social. E agora surpreende de novo com um personagem que instiga questionamentos filosóficos sobre co-existência neste mundo louco.

Adorei!

Amor, sexo, tensão social e humor de HQ em ‘True Blood’

“Não repare se, por acaso, eu parecer um pouco… morta”.

 

A frase acima é dita por uma vampira adolescente ao namorado humano, com quem pretende perder a virgindade – mas não antes de render-se ao seu reparador sono diurno. “Fico meio doente de dia”, explica docemente, ainda de presas à mostra.

Esse tipo de humor prevalece em quase todas as cenas de “True Blood“, mais uma série sobre vampiros, estes personagens fantásticos que escritores e roteiristas das mais variadas épocas e mídias adoram explorar dramaturgicamente. Da literatura aos quadrinhos, da TV ao cinema, a lista de produtos envolvendo esse gênero de mortos-vivos é grande. Tanto que dei de ombros quando ouvi falar sobre a série. O argumento de “True Blood”, porém, me surpreendeu.

Aqui os vampiros “saem do armário” (digo, do caixão) e passam a conviver entre humanos após terem seus direitos civis assegurados por lei, mas sob a condição de deixarem de matar para se alimentarem. Isso se torna possível com a produção, em escala industrial, da bebida Tru-Blood (trocadilho com o nome da série, que significa “sangue genuíno”), espécie de sangue artificial que supre as necessidades alimentares dos vampiros.

Mas como estamos falando da sociedade humana, na qual nenhuma transição social se dá sem guerra civil, declarada ou não, algumas parcelas da população discordam da integração e vão à luta. Não por acaso, aliás, o seriado se passa no sul dos EUA, berço da Klu Klux Klan (é impagável assistir a vampiros falarem inglês com sotaque sulista).

Do lado dos vampiros também há os que desprezam a nova política, tornando necessária uma organização social paralela, que pune quem fere os estatutos da espécie. Assim é que a comunidade vampira também tem seus xerifes de área, magistrados, governadores e até uma rainha, que volta e meia vai à TV participar de debates com políticos contrários à integração.

E esta prossegue mesmo aos trancos e barrancos, trazendo em seu bojo – como qualquer mudança – muito preconceito, consequências boas (como a abertura de um novo nicho de mercado para os vampiros, com criação até de quartos de hotéis à prova de sol, por exemplo) e ruins (no mercado negro, comercializa-se sangue de vampiro, que tem nos humanos mais ou menos os mesmos efeitos que a cocaína).

Neste quadro, o amor entre diferentes não podia ficar de fora. A protagonista Sookie, uma humana com poderes telepáticos interpretada por Ana Paquin (Oscar por “O Piano”), vive um caso de amor com o vampiro Bill Compton, interpretado charmosamente pelo inglês Stephen Moyer.

Cenas de sexo são o grande apelo da série – tem, no mínimo uma com nudez explícita por episódio -, mas pelo menos todas estão inseridas dentro de um contexto na história. Não chegam a ser gratuitas, mas obrigam a série a ostentar classificação indicativa para maiores de 18 anos.

O humor, nada convencional, é o melhor trunfo de “True Blood”… depois das questões sociais. É irônico, surreal, muito parecido com o das histórias em quadrinhos. Tanto que desconfio que nem todos os espectadores saberão apreciá-lo. Eu adoro! E recomendo.

John Hughes: o cineasta da adolescência oitentista

No sentido horário, John Hughes entre Molly Ringwald e Michael Schoeffling de ‘Gatinhas e Gatões’, com Matthew Broderick de ‘Curtindo a vida adoidado” e Anthony Michael Hall na época de “Mulher Nota 1000”.

O cineasta John Hughes (*18/2/1950 – + 6/8/2020) nunca foi um dos favoritos da crítica especializada, que considerava sua obra oportunista, superficial e comercial demais. É verdade que, depois de descobrir um “filão” no segmento de comédias românticas adolescentes, não abandonou mais a receita, mas – vamos combinar!, bendita receita, que emplacou sucessos até hoje presentes na memória afetiva da geração dos 1980.  Estamos falando de “Gatinhas e Gatões” (Sixteen Candles, EUA, 1984, “Mulher Nota 1000”, (Weird Science, EUA, 1985), “Ela Vai Ter Um Bebê” (She’s Having a Baby, EUA, 1988) e os cult “Clube dos cinco” (The Breakfast Clube, EUA, 1985) e “Curtindo a vida adoidado” (Ferris Bueller’s Day Off, EUA, 1986).

Também é verdade, porém, que, mesmo levinhos, seus filmes souberam alcançar o inconsciente coletivo dos jovens da época. Todo garoto sonhava ser Ferris Bueller cantando “Twist and Shout” sobre um carro alegórico, em dia de aula, como na cena clássica de “Curtindo a Vida Adoidado”. E que garota não sonhava ser premiada com a atenção do bonitão da escola exatamente por ser diferente, como a ruivinha Molly Ringwald em “Gatinhas e Gatões”?

O diretor (de jaqueta preta) com o elenco de ‘Clube dos Cinco’

Meu filme preferido de Hughes sempre foi “Clube dos Cinco”, que acompanha  o cumprimento de uma manhã de castigo por cinco alunos do Ensino Médio, cada um desajustado a seu modo. Ao longo do filme, eles  aprendem a conviver, conciliando suas diferenças em favor de lutarem contra um inimigo comum: o inspetor, que simboliza a autoridade contra a qual toda juventude, em qualquer época, precisa se rebelar.

O filme apresentou pela primeira vez alguns dos rostos que marcariam o cinema adolescente do período: além dos já citados Broderick e Ringwald, Judd Nelson, Ally Sheedy, Emilio Estevez e Anthony Michael Hall (muitos deles cairiam no ostracismo a partir da década seguinte). A ruivinha Molly, então, foi a preferida de alguns diretores de comédias adolescentes da época (vide “A Garota de Rosa-Schocking”, “Ligeiramente grávida”, “O Rei da Paquera”). Continuou filmando nas décadas seguintes, mas nunca mais emplacou sucessos tão retumbantes quanto os da adolescência. Suas aparições mais recentes foram em pontas, como na série “Riverdale” e nos filmes “A Barraca do Beijo” (1 e 2), sempre como mãe de alguém.

Judd Nelson e Ally Sheedy filmaram bissextamente ao longo das últimas décadas, a maioria fracassos de bilheteria. A carreira de Emilio Estevez também prosseguiu, como a de Molly, com muito menor visibilidade. Seu pai, o consagrado Martin Sheen, faz mais sucesso que ele e o irmão (Charlie Sheen, de “Two and a half man”) juntos.

Dos cinco do clube, apenas Anthony Michael Hall continuou sendo visto, em filmes e no seriado que protagonizou de 2002 a 2007, “The Dead Zone” (“A Hora da Zona Morta”). De Hughes ele co-protagonizou “Mulher Nota 1000”, uma tremenda bobagem, na qual dois pré-adolescentes nerd criam uma mulher perfeita no computador (a então estonteante Kelly LeBrock, de “A Dama de Vermelho”).

Das estrelas içadas por Hughes, Matthew Broderick foi o que mais se deu bem. Não virou astro de primeira grandeza, mas continuou “aparecendo” em produções de médio porte e fez  muitos trabalhos bem-sucedidos no teatro. Ultimamente, a grande mídia o vê mais como o marido de Sarah Jessica Parker (a Carrie de “Sex and the City”).

Hughes dirigiu muito pouco após sua fértil década de 1980, mas continuou no metier como roteirista. Dá para reconhecer seu estilo nas histórias de “A Garota de Rosa-Schocking”, e nos três “Esqueceram de mim”, só para citar os maiores sucessos de bilheteria que assinou. Todos levinhos e previsíveis… mas divertidíssimos!

Para espairecer, até vale revê-los numa Sessão da Tarde regada a muita pipoca.

‘Cranford’: adorável como as melhores obras de época

Adoro o modo como as produções de época da BBC reproduzem o clima e as mensagens dos textos que as inspiram. As séries “Cranford” (2007) e “Retorno a Cranford” (2009) – a primeira dividida em cinco episódios de 1h cada e a segunda em dois de 1h30 – são exemplos deliciosos da sutileza com que seus diretores transformam um amontoado de descrições literárias em imagens narrativas.

A primeira, “Cranford”, é uma minissérie em cinco capítulos produzida pela BBC com base em livro homônimo de Elisabeth Gaskell, mostra a vida no pequeno povoado inglês que dá nome à obra, extremamente regrada e conduzida com base em regras rígidas de conduta social.

No começo assistimos com olhar crítico à repetição de costumes tão arraigados naquela sociedade dominada por matronas. Todas as ações são vigiadas e interpretadas segundo regras tácitas de comportamento, que acabam metendo forasteiros como o novo médico do povoado em muitas armadilhas e induzem solteironas mal afeitas a hábitos de outras terras a enganos. Mas à medida que esses enganos e armadilhas vão colocando em apuros seus próprios habitantes, a solidariedade, a generosidade e o espírito de corpo vão se sobrepondo à rigidez dos costumes, revelando uma humanidade até então insuspeita por baixo daquele verniz social.

É um produto leve, bucólico, romântico, ao gosto de quem, como eu, aprecia leituras como as de Jane Austen.

Já em “Retorno a Cranford” (2009) vai na mesma linha e tocou-me, particularmente, com a sequência em que a idosa Miss Mathis aguarda pacientemente, ao lado da afilhada Mary e do empreiteiro Mr. Brown, a chegada de alguns dos mais antigos moradores do vilarejo para uma pequena excursão de locomotiva. Todos são refratários à ideia da ferrovia, que promete mudar o traçado da localidade e – pecado dos pecados! – trazer mudanças àquela sociedade de costumes seculares e inflexíveis.

As cenas da excursão são um primor de simbolismo do que significou para aquela bondosa senhora – e para toda a época e sociedade que ela representa na história – abrir-se para o novo, a mudança.

Por toda a série os moradores do vilarejo são confrontados com questões que opõem tradição e bom senso, convenções e sentimentos, emoção e razão, cada episódio mostrando o quanto a boa vontade e o cuidado para com o outro é capaz de contornar o mais espinhoso problema ou questão social.

Adorável!

O cinema precisa descobrir Ursula K. Le Guin

Em um dos meus primeiros textos postados neste blog comento que tive acesso a muitas obras literárias graças a filmes que assisti (procurando as obras que os inspiraram ou simplesmente os títulos citados em seus diálogos).

Pois acabo de encontrar outra preciosidade literária, não por acaso citada em uma comédia romântica que flerta descaradamente com a literatura: “O Clube de Leitura de Jane Austen”. Um dos personagens – o único homem em um grupo de mulheres que se reúne mensalmente para comentar os livros da escritora inglesa – passa o filme todo tentando convencer sua paquera a ler a obra de Ursula K. Le Guin, escritora de ficção científica norte-americana sobre quem eu nunca havia ouvido falar antes.

Demorei a me decidir por ler algo de Le Guin porque são poucas as suas obras editadas no Brasil – e as poucas publicadas não estão facilmente disponíveis nos sites em que mais confio para comprar online. Quando, enfim, consegui adquirir “A Mão Esquerda da Escuridão”, sua obra mais elogiada pela crítica, não consegui largar o livro.

É ficção científica que não deixa nada a dever a clássicos como “Admirável Mundo Novo”, por exemplo. Le Guin cria um mundo geologicamente muito semelhante ao que teria sido a Terra na Era Glacial, mas habitado por seres humanos ambissexuais (todos têm os sexos feminino e masculino e podem procriar) e com um código de conduta completamente estranho a tudo o que conhecemos.

Neste mundo pousa um humano do sexo masculino, enviado por uma entidade interplanetária, com o objetivo de propor a seus governantes sua adesão a uma aliança composta já por nove planetas. O humano enfrenta o descrédito, o preconceito, os choques cultural e psicológico e ainda a solidão de pregar novas ideias em um mundo completamente diferente dos que conhece.

Não darei mais detalhes para não estragar a surpresa de quem aceitar a dica, mas posso adiantar que os regimes de governo e as “realidades” inventadas por Le Guin no livro provocam as mais doidas e impensáveis reflexões, mesmo nas mentes mais abertas.

E adooooooro ser surpreendida por novos questionamentos, por isso a ficção me encanta tanto.

Fica a dica de leitura e um desafio maior aos diretores de cinema de todo o mundo que ainda não descobriram a escritora: ATREVAM-SE a filmar Ursula K. Le Guin! É ficção diferente de tudo o que o cinema já filmou antes.