Notas de acidentada

12/8/2016
Podia escrever um script de humor só com gags descrevendo as vezes em que um profissional de branco (há 37 dias eles se multiplicam em torno de mim) avisou-me de que estou condenada a comprovar, para sempre, a verdade sobre a capacidade de nossos avós de predizerem o tempo pelas dores em seus ossos.
Neste momento, sou toda (ossos e hastes de titânio) um verdadeiro mapa meteorológico.

15/8/2016
Saudades de cuidar da minha hortinha, dos cheiros de agradecimento que os temperinhos exalavam quando os aguava, de jogar um manjericão fresquinho em um molho ainda fumegante, de polvilhar com ele e um galhinho de orégano desidratado no varal o tempero com azeite e alho das minhas bruschettas – eu as decorava com tomates italianos descascados e sem sementes picados bem pequenininhos…

20/8/2016
Minha irmã ouve música alta enquanto limpa a casa e faz comida. Márcio reconhece a batida inicial de “Kiss”, do Prince. “Esta você gosta de dançar”, avisa, com o indicador levantado ao lado do ouvido. Ouço a Liz cantar da sala e lembro das três irmãs na casa de nossa infância parando a faxina ao mesmo tempo pra dançarem juntas na sala… Minha mãe continuava na lida como se nada acontecesse, indiferente ao som alto, conformada com a faxina negligenciada.
Sinto saudades de dançar, do som alto no meu apartamento.
Sinto falta de andar.
Vou dançar mais.

17/10/2017
Hoje dei quatro passos sem andador antes de meu joelho esquerdo falsear.
Primeiro fiquei feliz por mais um progresso. Depois fiquei triste.
Não me reconheci com este andar cambaleante e manquitola (minha perna esquerda está 3 cm mais curta que a direita) de velhinha com artrite.
Acho que terei de negociar com minha autoestima esta readaptação à realidade.