Saúde!

A primeira pessoa a receber a vacina no Brasil, uma mulher negra. As mulheres na linha de frente. A guerra não tem rosto de mulher, a Svetlana tem razão, não tem mesmo. Mulheres não fazem guerra, mas não fogem da luta, jamais. Nos momentos em que penso que é difícil além da conta lidar com a vida e com a maternidade, penso na minha bisavó atravessando o Atlântico segurando quatro filhos pelas duas mãos, com a certeza de que nunca mais veria sua terra natal devastada pela guerra, mesmo com a esperança de revê-la, rumo a um país que ela não sabia nem identificar no mapa. É pra lá ou pra cá? Penso na minha avó que ria muito e fazia piadas e gostava de dançar e não chorava vendo filmes. E quando perguntei se ela não chorava nunca, ouvi que “quem já viu guerra não chora, minha filha”. E essa frase ficou. Pá pá pá na minha cabeça.

O homem laranja que gosta de guerra entrou no avião e foi embora da presidência e eu fiquei dando tchau para a tevê com as mãos dizendo “já vai tarde” e meu filho riu. Que tonta eu sou de dar tchau pela tevê. E rimos. E dei mais tchau. O outro homem que gosta de guerra e de tortura, ao sul de quem olha o mapa desenhado por quem, afinal? (pra lá ou pra cá?), continua por aqui. Para quem gosta do que ele gosta, o prazer de ver pessoas morrendo asfixiadas deve ser quase sexual. No livro o homem que está na guerra começa a ser enterrado vivo e é sempre muito assustador pensar que isso existe fora da literatura. Uma pessoa ser enterrada viva. Uma pessoa ter as unhas arrancadas. Uma pessoa receber choques. Coloco o marcador na página insuportável e cubro meus filhos na cama. No quarto ao lado dorme o meu pai, que nunca conseguiu me falar sobre o que viu nos anos de uma ditadura que tanta gente afirma nunca ter existido.

Eu, mamis e a sister brindando os 21!

O dia já clareou, é sempre novo e pode ser sempre o mesmo. Procuro pelo cheiro do café, pelo pão quente ou amanhecido, ainda sinto dor no braço onde meu filho adormeceu. Os patos grasnam mais pela manhã. Os cocôs das capivaras espalhados pela grama e pelo asfalto. É bom estar com quem não quer guerra com ninguém. Imagine, como nos pediu Lennon. Faltou oxigênio na floresta chamada de pulmão do mundo. O sono quase não veio esta semana. O tamanho do broche no peito da Lady Gaga é do tamanho da nossa agonia. A luz do sol ontem à tarde deixou a água do lago dourada e eu vi e pensei que é bonito a água ficar dourada.

Às 21h21 do dia 21 de 01 de 2021 eu brindei. Sobretudo por estar viva e disposta, ainda que dolorida. E porque é bom brincar. Depois do café leio as notícias e abro o livro de novo. Porque quanto mais sei que dói, mais sei contra o que é preciso lutar.