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Matemática do amor

Esta semana meu pai passou por mais uma cirurgia. Meu pai está com setenta e cinco anos. Eu estou com quarenta e cinco. O pai do meu pai tinha sessenta e nove anos quando morreu. Meu pai já viveu seis anos a mais que o pai dele. Meu pai tinha quarenta e quatro anos quando o pai dele morreu. Meu pai tinha um ano a menos que eu quando o pai dele morreu. Eu achava que meu avô já era velho quando morreu. E que meu pai já tinha vivido o suficiente com ele. Eu achava que meu pai era adulto e sabia lidar com a morte do pai. Meu pai é muito novo para morrer. E eu sou uma criança, apesar de um ano mais velha que meu pai quando meu avô morreu, que não acredito que pai e mãe morrem. Meu pai está bem e não vai morrer. Não agora. Mas basta estar vivo para morrer, eu sei, ainda mais em 2020 e 2021. O José Luís Peixoto escreveu um livro lindo depois que o pai dele morreu. “Morreste-me”. Os portugueses sabem dar os melhores títulos para os livros. Conhece os do Lobo Antunes? “Que farei quando tudo arde?”, “Não é meia noite quem quer”, “Os cus de Judas”, “Explicação dos pássaros”. Eu nunca consigo achar um título bom para o que escrevo. Eu queria saber escrever um livro como o José Luís Peixoto escreve. Um “morreste-me” depois que meu pai morrer, o que vai demorar. Mas o livro já foi escrito e eu não sou o José Luís Peixoto. Lobo Antunes não é desse mundo, deixa pra lá. Eu queria só conseguir terminar essa pequena crônica, no quarto de onde escrevo e posso, pela janela, ver o hospital onde meu pai está, na companhia da minha mãe, como é há cinquenta e cinco anos, sem nenhuma visita porque mais de duzentas mil pessoas já morreram, mais novos ou mais velhos que eu e meu pai. Mas há dias não consigo terminar nada que começo e estou me perguntando “que farei quando tudo arde?”. Abrir o livro do Lobo, por exemplo, pode ser uma resposta. Ser sincera e escrever aqui que não consigo achar um fim para esse texto pode ser outra. Um vento entra pela janela, as folhas de uma das árvores mais bonitas que conheço balançam. Eu fecho os olhos e puxo o ar bem fundo. Será que minha mãe e meu pai também conseguem ver o vento?

‘Quem sabe isso quer dizer amor…’ (relato de uma quarentena)

Quase tenho culpa por me sentir tão confortável em isolamento, neste momento grave de ameaça civil. É que pela primeira vez na vida minha tendência natural ao encasulamento está sendo visto como algo desejável e não como um grave defeito.

Explico-me: cresci levando pitos de familiares e amigos por “viver no mundo da lua”. Na adolescência, levava descomposturas de amigas por ser antissocial a ponto de não saber manter as chamadas “small talk”. Era capaz de me refugiar em meus próprios pensamentos mesmo integrando uma roda de conversa, fosse numa festa cheia de gente ou em rodinhas de amigos. Claro que isso me tornava esquisita demais, engraçada de menos e zero interessante! Por isso minha presença chegava a ser expressamente proibida por anfitriões de eventos e programas legais para os quais minhas melhores amigas eram convidadas – coitadas, depois se contorciam em desculpas para justificar seus sumiços e o porquê de não terem me chamado.

Adulta, descobri que tenho déficit de atenção e me esforcei muito para melhorar a partir das lições que as rejeições sociais me ensinaram. Melhorei, sim, mas… quando me mudei de minha cidade natal para trabalhar em outra, ainda era capaz de passar finais de semana inteiros sem colocar o pé fora da porta de casa – minhas horas sozinha eram preenchidas com leituras, sessões de filmes e playlists de músicas favoritas embalando a limpeza da casa ou a preparação da minha comida.

Para mim, não era solidão! Ao contrário, eu me sentia conectada ao mundo através dos noticiários (que nunca deixei de acompanhar) e também a todos os personagens das ficções que eu lia em livros ou assistia em filmes e séries. Ainda gozava uma alegria genuína cantarolando junto músicas que me falam ao coração.

Não por acaso veio a tornar-se meu marido um certo estudante de engenharia – também um talentoso cantor e violonista – que, dias após me conhecer em uma sessão de cantoria, fez-me uma visita surpresa bem no meio de um desses meus fins-de-semana de imersão. Sua “invasão” não me incomodou. Ao contrário, porque ele compartilhou meus prazeres e os tornou ainda mais interessantes.

Dez anos após nos tornarmos um casal, vivemos um período de separação. Voltei à minha antiga tendência de me encasular em casa, entregue a meus passatempos, o que fez uma amiga em comum me dar outro pito: “sai pro mundo, pelo-amor-de-Deus!”. De novo, forcei-me contra minha própria natureza e saí.

A separação durou só dois meses e desde então eu e Márcio seguimos juntos. Tivemos nossos períodos de crise conjugal, mas o advento do coronavírus nos pegou em um momento de perfeito entendimento e sincronia. Não tivemos filhos (infelizmente!), por isso nossa rotina tem bem menos estresse do que a de casais que são pais, mas por isso mesmo é menos diversificada e interessante (digamos assim).

Durante a quarentena imposta pela pandemia, compartilhamos os medos de toda a população, principalmente por meus pais idosos, mas dividimos sem crises as tarefas domésticas e curtimos juntos, em casa, nossos hobbies preferidos e sabemos nos separar para o trabalho. Tudo somado, seguimos muito bem, obrigada, sem sermos invadidos por ansiedade ou tédio. Bem ao contrário.

Como cantou Lô Borges, “quem sabe isso quer dizer amor…”.

O meu amor…

por Dani Ramos   

Meu amor chegou na minha vida assim como uma brincadeira, um acorde, uma música. Mal sabia eu que era Deus brincando comigo e deixando minha vida mais feliz.

Um encontro casual, uma sexta-feira 13 de agosto, uma afinidade imediata, uma banda cover. E o desejo de um reencontro.

Meu amor despertou em mim o desejo de ficar colada pele com pele e trouxe a ternura pelo seu toque suave.

Nos despedimos várias vezes ao longo da nossa jornada.

A primeira foi doída, sentida a cada dia como se fosse uma eternidade.

O reencontro nos deu a certeza de um amor pra vida toda.

Vieram outras separações e todas nos fizeram crescer e afirmaram o quanto nos queríamos.

Sua última partida, essa sem possibilidade de retorno, me deixou perdida no espaço, fazendo força para acreditar que poderemos nos ver novamente.

E Deus, o cara que brincou comigo e me deu a felicidade em forma de luz?

Será que conseguirá me trazer de volta a paz?

Quando meu amor adoeceu senti raiva. Raiva da sua falta de cuidado, da mensagem incompreendida e da condenação divina.

Basta! Era tudo o que eu queria gritar.

Ofereci meu colo e seguramos nossas mãos unidas, como uma rede que pudesse nos proteger daquele feitiço sem volta.

Meu amor não entendeu minha ira, mas aceitou meu colo e juntos fomos em busca de socorro.

A viagem foi longa, entrei e saí do barco, o enjoo veio, mas ele se manteve no comando, sem deixar que a água invadisse e transformasse terra fértil em lama.

Meu amor tinha uma estranha mania de se calar e deixar que sua voz riscasse o papel. Eu gostava de admirá-lo enquanto deslizava o lápis sobre a folha branca ou enchia uma tela de cores.

Brincávamos de ser gente grande, de viajar, de ganhar o mundo com a arte, com nossos sonhos.

Sonhamos juntos e sonhamos separados.

Nos falamos com palavras e com olhares.

Meu amor me acordava com cheiro de café coado, pão na chapa quentinho e frutas picadas. Ganhava um beijo, um abraço desajeitado enquanto escovava os dentes.

Me enchia de cuidados, vigiava minha postura, fazia questão de me ver sorrindo, insistia para que eu me alimentasse bem.

As vezes saía e me deixava dormindo só para eu poder acordar com sua mensagem, um desenho e o pedido de contato.

Outras tantas me acordou com muita insistência, quase me arrastando para a vida.

A noite era plena para ele, seu corpo era embalado pelo próprio ronco. A minha era de luta com o meu próprio corpo, com os sons internos e externos.

Não se queixava do meu peso em seus braços. Mal se movia para não me acordar. Repousava sua mão no meu seio, colava seu corpo ao meu e me fazia sua.

Seu olhar sempre pedia mais de mim.

Gostava do riso fácil e da minha vontade de viver, detestava brigas e cobranças.

Meu amor me olhava com admiração enquanto eu contava histórias ou defendia pontos de vista.

Seu silêncio era minha calma e meu desespero.

Quando meu amor morreu, achei que tudo seria mais leve, que meu coração estaria aliviado por ver seu sofrimento acabar.

Pouco antes de partir, meu amor chamou pelo meu nome. Não disse o que queria, mas nós dois sabíamos o que era.

Então, disse em seu ouvido o que gostaria que ele sentisse em seu coração.

Soprei de leve as palavras de amor que costumávamos trocar.

Depois disso, ficou apenas um rasgo em meu peito, uma cicatriz eterna na alma.

Nosso tempo unidos eternizou o laço que construímos.

Vivo hoje uma viuvez sem papel, sem título, sem documentos.

Marcou tanto minha existência que todo o resto se fez pequeno.

Carrego comigo o mesmo anel que ele mantinha no bolso.

Arrumei suas coisas, me preocupei em embalar tudo como ele mesmo faria.

Guardei comigo sua camiseta mais amada, uma roupa íntima, seus desenhos e livros, um pouco do que marcou a nossa bela história.

Preocupei-me em dar asas e voz ao que ele sempre amou.

Procurei seus amigos e pedi colo, compreensão, troca. Encontrei mais que isso… me deram amizade. Na dor compreendi sua escolha por pessoas que o alimentaram tanto.

Mais que isso, aceitei o presente que meu amor me deixou.

Suas mãos sempre foram quentes, me encheram de amor e aqueceram meu coração. Repousava sua mão na minha coxa como se nos mantivéssemos de mãos dadas enquanto eu dirigia.

Quando nos despedimos, suas mãos estavam perdendo a quentura e levemente fomos nos desconectando.

Meu amor era assim, se preocupava tanto comigo que me deu tempo para que me acostumasse a andar com as mãos vazias.

 

Dani Ramos é jornalista e a pessoa mais afetuosa e sensível que conheço.

O coração de mamãe

Minha mãezinha tem um coração enorme, que no último ano voltou a nos dar sustos.

Neste sábado seu músculo coronário reclamou atenção por meio de dores desde o meio do peito até o ombro e braço esquerdos.

Fui encontrá-la na UPA da Vila Xavier, em Araraquara – cidade onde mora com minha irmã, tendo meu pai de irascível enfermeiro.

Soube que, mesmo reclamão e sofrendo, seu coração não deixou de preocupar-se com os seus. Enquanto eu não chegava de Ribeirão, fez meu pai deixá-la sozinha na unidade de saúde para ir preparar o almoço de minha irmã, que chegaria do trabalho.

Quando cheguei ela já estava medicada e sem dor, aguardando resultados de exames. Passou a gastar seu tempo a me perguntar como vai minha vida, como vão todos em Ribeirão e em Jaú (onde meu marido também está a cuidar de minha sogra) e a ruminar preocupações com seus gatos, que meu pai, já em casa, não saberia alimentar.

“Mamãe, vamos fazer assim: primeiro vamos cuidar da senhora. Depois se pensa nos gatos, que têm sete vidas”, disse eu.

Conformou-se.

E puxava papo, ora com paciente de uma cama vizinha, ora com o acompanhante de outro, sempre querendo se inteirar das pessoas.

Logo sua antena de generosidade sintoniza um paciente sem acompanhante que reclamava de fome, mas ainda não estava autorizado a deixar a unidade nem por um instante.

“Vai atrás de um salgado para ele, filha”, ordenou-me.

Depois de me informar com a enfermeira se era permitido, fui.

Mamãe sempre foi assim, de pensar demais nos outros, às vezes a ponto de esquecer de si. E sempre cheia de receios de incomodar. Se meu telefonema não a tivesse flagrado na UPA, eu sequer saberia que sofria dores. Tem pudores de avisar.

Quando me viu entrando na sala de observação, indignou-se: “Você veio, filha!” (em tom de censura).

Fui, mamãe. Meu coração sempre irá aonde o seu precisar do meu.

 

P.S. Ela já está bem e em casa.

Sofrer ensina… aos dispostos

O sofrimento ensina aos dispostos.

Só a eles…

Cheguei a esta conclusão refletindo sobre a espiral de violência que acomete nosso país e, em menor grau – mas não menos preocupante -, os Estados Unidos, com seus episódios de chacina de inocentes por atiradores civis.

A violência se retroalimenta quando as pessoas tentam sobreviver à dor devolvendo à sociedade o mesmo ódio de que são vítimas – adolescentes deslocados atiram em seus bullyers, policiais disparam a esmo em favelas onde seus colegas foram assassinados, criminosos pilham e exterminam a sociedade que os exclui…

De outro lado, mães como Lucinha Araújo e a ribeirão-pretana Marília Castelo Branco semeiam o bem entre outras famílias marcadas pelo sofrimento – a primeira criou a fundação Viva Cazuza, dedicada a atender crianças com a doença que matou seu filho, e a segunda a Síndrome do Amor, para dar suporte a famílias com casos de doenças raras, como a que ceifou a vida de seu Thales.

São exemplos de pessoas dispostas a refletir e a aprender com as próprias dores. Como recompensa, colhem gratidão e amor (o que sentem e o que recebem de volta), que lhes servem como apoios “mágicos”- chamemos assim por ora – para seguirem em frente.

Quem perde entes queridos ou enfrenta algum dos males deste século (depressão, pânico e afins) sabe como é difícil viver com essas dores. Mal comparando, é como tentar caminhar carregando nas costas um fardo mais pesado que o próprio peso.

Sobreviver a elas usando o ódio como apoio é a decisão instintiva, inerente a todas as espécies, por isso mais fácil. No entanto, torna o sofrimento inútil e fatal para a raça humana, pois o multiplica e espalha a dor, como uma epidemia a destruir vidas e desnortear famílias, instalando o caos.

Usar como apoio o amor ao próximo contraria este impulso primitivo, por isso demanda disposição e esforço.

O sofrimento só ensina quando aceitamos a oportunidade que ele abre à reflexão e ao aprendizado através do amor. Ouso dizer que é para aprender isso que vivemos neste mundo tão desigual e cheio de injustiças e ódio. Infelizmente, poucos de nós consegue.

O nascimento de um pai

ALEX MENDES *

Ela chegou durante o frio de uma das cidades mais quentes do Estado de São Paulo.

Na escura madrugada de um dia de semana, minha mulher deu à luz.

Eu, que nunca na vida havia podido ver sangue sem sentir tontura, tremi. Tremi ao ver minha reação contrária.

Com a câmera fotográfica na mão enchi minhas veias de coragem e controlei o ímpeto de sair correndo da sala de cirurgia.

E olha que tudo me levava a isso. O histórico com as agulhas, o cheiro de hospital e, principalmente, o que eu via.

Ali na minha frente, a mulher que eu tinha jurado proteger no altar estava amarrada, com os braços esticados, nua e com uma pessoa prestes a abrir-lhe a barriga com um objeto cortante.

Mas eu estava decidido. Eu estava preocupado em buscar o melhor ângulo.

Eu.

Ali foram os últimos momentos da existência do “eu” que eu conhecia desde que me entendi por gente.

Não foi o barulho dos instrumentos, aquele tec tec com precisão cirúrgica para deixar qualquer um ligado à área de humanas desesperado que me atordoou. Foi outro som. O de um choro engasgado. Era aquele negócio pequenininho, sujo de líquidos e gosmas que eu nem sabia direito o que eram, que eu deveria amar?

Talvez a preocupação com o foco da máquina tenha tirado o meu próprio. Eu não pensava racional ou emocionalmente. Era um robô. Tinha de fotografar e fazer exatamente como eu vira antes nas novelas e nos filmes.

Confesso, mesmo ali, vendo minha herdeira com olhos fechados e boca arreganhada tão perto, ainda não sentia o que a minha esposa carregara durante nove meses. O bebê, até aquele momento, era dela. A mãe. Que alimentava, que dava segurança, que garantia vida a cada vez que respirava.

Já eu, fotografava. Achando que aquilo era o máximo. Que “eu” era o máximo. Um marido que agora tinha uma filha.

‘Eu”. Algo que em poucos minutos iria viver só no passado.

Depois de receber os cumprimentos de dois corajosos parentes que enfrentaram uma noite sem sono, fui para o berçário. Mais preocupado em evitar o sumiço da criança que qualquer outra coisa.

Paula nasceu de oito meses. Foi uma luta diária entre diagnósticos receosos e esperanças religiosas. Graças a Deus, a segunda venceu. Vitória que estava agora à minha frente. Um cisquinho de gente encolhido numa estufa. Um frágil ser com um poder enorme. Algo que eu descobri num abrir de olhos.

Eu – ainda era eu – sentei-me numa cadeira do lado de fora do berçário. Paula na estufa, com dois vidros nos separando. Meu olhar fixo conferia tudo com atenção. Se ela respirava, se parecia comigo, se abriria os olhos.

A última resposta foi avassaladora. Ela parecia ter lido meu pensamento. E ao levantar as pequenas pálpebras, abriu duas bolas negras.

E um coração.

O olhar me atingiu como um raio. Desses de filme de ficção. Transformou-me na hora. Daquele momento em diante tinha sido promovido de duas para três letras.

O “EU” virou “PAI”.

Demoraria vários meses até ouvir a palavra da boquinha dela. Mas aquele primeiro olhar, naquela madrugada fria, me chamou de pai com toda a força do mundo.

Um grito silencioso com o tom de um amor até então desconhecido. Inimaginável pra mim. Um sentimento incondicional, incansável, indissolúvel. Egoísta e ao mesmo tempo coletivo.

Sei que cada um de vocês, leitores, tem uma Paula pra olhar nos olhos. Pra dizer com palavras, gestos, responsabilidades ou simplesmente com um abraço: Sim, sou seu pai.

Temos datas de aniversários diferentes, mas posso afirmar que nasci no mesmo dia que você.

Um pai. E uma filha.

Que possamos crescer juntos por muito tempo aproveitando cada fase.

A pequenina que dormia no meu antebraço.

A gigante que andava sobre minha barriga.

A loirinha que cruzava os braços e fazia biquinho quando queria algo que não podia.

A princesa que segurava a minha mão no cinema.

A adolescente que até hoje faz questão de beijar meu rosto num boa noite impossível de ser contaminado pela rotina.

Paula e Alex. Um pai e uma filha.

Olho no olho. Coração com coração.

Amor.

E nada mais que se compare a isso.

 

* Alex Mendes é jornalista, cinéfilo, escritor talentoso, amigo querido e pai amoroso da Paula


 

 

 

Toda semana, às quartas, o blog traz a crônica de um(a) ‘palavreiro(a)’ convidado(a). O convite é extensivo a todos que gostam de palavrear a vida em forma de crônicas.

VEM PALAVREAR COM A GENTE!’

Lar é onde mora o coração!

* MARCELLA MOREIRA

Minha namorada e eu estávamos à mesa tomando um café da manhã preguiçoso de domingo – aquele a cada 15 dias em minha folga do trabalho e a doídos 200 km de distância – quando comecei a chorar…

Nossa gatinha esparramada no tapete vermelho da sala fazia a manha corriqueira, enquanto o sol entrava pela persiana, riscando parte do sofá.

Nada de especial, a não ser o cheirinho do café moído na hora, o fumegar do líquido preto subindo da cafeteira italiana e o riso suave de quem sabe estar vivendo um momento de milagre.

Não temos luxo quase nenhum, mas muitíssimo mais que a falta de possibilidades da maioria que vive em nosso País. A maior riqueza é, dentro daquelas quatro paredes, não sentir medo, seja pela falta, pela incompreensão, pelo desrespeito, pela injustiça, pelo desamor e de tudo mais.

“O mundo está desabando lá fora. Chega a faltar vontade de continuar. Mas daí chego em casa e é tão bom saber que ela é um paraíso”, falei, na certeza de que minha companheira poderia receber minhas palavras como uma grande declaração de amor.

Casa é a mesa redonda de vidro que ela herdou da avó, que lutou bravamente contra o câncer por quase uma década. É aquela minha mesinha de pés palito recoberta de marchetaria, que (infelizmente!) carrega marcas das nossas taças de vinho. Também é o banheirinho da nossa filha peluda, necessário, indispensável e que tentamos fazer com quem componha o ambiente da maneira menos traumática possível.

Enquanto para algumas pessoas é bacana a assinatura do designer e até o preço investido num móvel, pra nós, porém, vale mais a história e o afeto que as coisas carregam.

Pra gente, casa tem que ser lar, aquele lugar onde mora o coração.

 

(*) Marcella Moreira é jornalista freelancer, mineirinha, “mãe de gata” e palavreira sensível


 

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VEM PALAVREAR COM A GENTE!

Liberdade

CÁSSIO BIDA *

“Fugi com o circo! Adeus”. Quando leu a frase, Romeu se espantou. Mas, no fundo, sabia porque sua amada estava fazendo isto.

Desde que se conheceram, Romeu e Carmem se encantaram um com o outro. Ele com a vivacidade da moça. Ela com a sensação de paz que o jovem transmitia com naturalidade.

Romeu tinha paixão pela escrita. Gostava, vez ou outra, de surpreender com textos, palavras, frases, citações. Muitas vezes emprestadas de Machado, Cortella e Vinícius. Mas, na maioria, frases escritas por conta própria.

Já Carmem, moça prática, não era de muitos rodeios. Tinha muitas urgências. A principal de todas era viver. Principalmente depois de um Carnaval onde tomou um banho de purpurina. O brilho invadiu a alma da moça que, desde então, passou a ser intensa.

Encontrou em Romeu um rapaz pacífico. Sabia acendê-la, mas ainda faltava algo. Ela queria a paz no amor, mas tinha em si mesma o fogo e a energia da juventude. A delícia da descoberta. Aquela chama de renascimento, típica de uma fênix. Talvez por isto Carmem nunca soube lidar direito com esse negócio chamado rotina.

Romeu, por sua vez, era extremamente organizado. Metódico, o rapaz tinha hora para tudo. Acordar, trabalhar, exercitar o corpo, a mente, a alma. Depois de um tempo, pasmem, até hora para namorar ele exigia.

Carmem, no entanto, era mais flexível. Aproveitava os prazeres da vida nas horas em que bem lhe cabiam. Entendia a importância de manter uma rotina, mas não era bitolada com essas coisas.

A moça gostava de surpresas. E Romeu sabia como presentear a amada nos momentos em que ela menos esperava. Fosse com uma flor, um verso, uma canção ou mesmo uma frase. Entre números de malabares e serenatas, ambos davam seu colorido um ao outro.


Acostumado com a presença dela, parou de investir no relacionamento.
E isto deixou a moça triste em um primeiro momento.
Depois irritada. E, por fim, indiferente.


Até que, em um dia cinzento e chuvoso, tudo foi esmaecendo. Carmem queria ainda acreditar naquele amor. Só que Romeu se acomodou. Acostumado com a presença dela, parou de investir no relacionamento. E isto deixou a moça triste em um primeiro momento. Depois irritada. E, por fim, indiferente.

Foi quando ela tomou uma atitude drástica. Na calada da madrugada armou uma corda de lençóis. Teresa como o pessoal chama por aí. Desceu, sabe-se lá como, sem fazer barulho, nem chamar a atenção dos vizinhos. E, com uma pequena mochila, sumiu no mundo.

Quando acordou, Romeu deu de cara com um bilhete que dizia pouco e explicava tudo: “Fugi com o circo! Adeus”. Poderia ser para ele o fim, inclusive da própria vida. Mas o jovem escritor não terminou como o xará do romance de Shakespeare.

Ao invés do obituário, Romeu resolveu deixar à amada uma lembrança diferente. Espalhou em outdoors pelo país uma mensagem. Uma mensagem tão bonita que Carmem lembrar-se-ia dele sempre ao ler.

No cartaz, uma fênix. Dourada, de asas abertas e com as chamas em carmim. E a frase que simbolizava o sentido de todo aquele amor: “Quem nasceu para ser livre jamais se prenderá a qualquer gaiola!”

Em uma das viagens com a trupe, Carmem viu o cartaz. Deu um leve sorriso e, artista como era, ficou admirada com o gesto. A viagem de ambos, mesmo separados, seguiu. Ele com o carinho das palavras. E ela, entre malabares e contorcionismos, fazendo o dia do respeitável público mais feliz.

 

* Cássio Bida
Jornalista curitibano e funcionário público, gosta de criar escrever histórias nas horas vagas.

É autor do PodCast Cartas Faladas  que desenvolveu para espalhar amor em meio à dureza do mundo.


 

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“VEM PALAVREAR COM A GENTE!”

Loki (ou pode chamar de ‘demoninho’)

Silvia Pereira

Frame do vídeo em que o vi pela primeira vez

Foi paixão à primeira vista. Quando vi o jeito curioso daquele filhote mover a cabecinha – que parecia maior que o corpo – e o olhar torneado de preto, feito kajal de maquiagem indiana, parecia que eu já conhecia aquela bolinha de pelos cinzentos com estampa de tigrinho.

Foi em um vídeo que a namorada de um amigo postou na internet que vi pela primeira vez aquela mimosura. Brincava com qualquer coisa que lhe roubasse o olhar, parecendo ter déficit de atenção – por que será que me identifiquei (rs)?

Eu não tinha gatos desde minha primeira infância, mas sempre quis – o marido proibia, cedendo ao preconceito geral de que são animais egoístas e traiçoeiros.

Então veio o acidente e aquela rotina toda. No ponto em que Márcio se prepara para voltar ao trabalho, a iminência de ficar sozinha pela primeira vez com minha convalescença me deu argumentos para exigir um bichano.

A viagem a Jaú para buscar a “bolinha de pelos cabeçuda” foi minha primeira após o acidente. Chegou toda ansiosa, miando muito de susto. Passei toda a viagem de volta cuidando de sua miadeira desesperada com cafunés e colo (com pouco sucesso).

A resistência do Márcio a gatos durou uns 10 minutos

A resistência de Márcio a gatos durou uns 10 minutos – se tanto.

Chamamos a bolinha de pelos de Maya por uma semana inteira até a primeira ida ao veterinário, quando descobrimos que “ela” era “ele” – o sexo dos filhotes demora a aparecer, favorecendo o engano.

Virou oficialmente Lóki – em homenagem ao deus da travessura e ao álbum solo do mutante Arnaldo Batista (“Cê tá pensando que eu sou lóki?”) -, mas pode chamá-lo também de “demoninho”, como Márcio faz sempre que o flagra numa traquinagem.

Explora as mais altas prateleiras

Quando entra no que chamo “modo Gremlin”, corre pela casa atrás de mosquitos e borboletas, marcando nossos móveis com seu parkour endiabrado; escala as telas que protege janelas e sacada e explora as mais altas prateleiras. Se algo cai ao chão, perto dele, esqueça! Dificilmente terá pernas para alcançá-lo antes dele se meter embaixo de uma cama com o tesouro à boca – pra ter de volta, só esperando a criatura cansar do brinquedo (praticamente um “gatorro”).

Para canalizar um pouco sua energia, gastei horas terapêuticas construindo-lhe um arranhador a partir de um banquinho alto de madeira, cordas e tapetes velhos. Tenho vídeos hilários dele brincando com o sininho que pendurei em um dos lados (assista vídeo abaixo) e fotos lindas de suas sonecas na redinha que improvisei na base (sua energia segue em alta, obrigada!).

Apesar da hiperatividade, Lóki chegou com tudo o que gosto em um pet. É carinhoso do tipo grudento mesmo – adora um colinho, segue-me pela casa e, se pego o laptop, já pula em cima para tentar roubar para ele toda a atenção. Manhoso, mia como se conversasse comigo. Sociável, nunca foge de visitas e se oferece para carinhos sem pudor nenhum. Mata de rir com sua atrapalhação e poses sem-modos.

Minhas postagens nas redes sociais ficaram monotemáticas após sua chegada, seguida pela de Maya, a gata (sobre a qual escreverei em um próximo post), porque eles encheram de alegria meu período mais solitário de recuperação.

Ainda enchem.

 

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