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O coração de mamãe

Minha mãezinha tem um coração enorme, que no último ano voltou a nos dar sustos.

Neste sábado seu músculo coronário reclamou atenção por meio de dores desde o meio do peito até o ombro e braço esquerdos.

Fui encontrá-la na UPA da Vila Xavier, em Araraquara – cidade onde mora com minha irmã, tendo meu pai de irascível enfermeiro.

Soube que, mesmo reclamão e sofrendo, seu coração não deixou de preocupar-se com os seus. Enquanto eu não chegava de Ribeirão, fez meu pai deixá-la sozinha na unidade de saúde para ir preparar o almoço de minha irmã, que chegaria do trabalho.

Quando cheguei ela já estava medicada e sem dor, aguardando resultados de exames. Passou a gastar seu tempo a me perguntar como vai minha vida, como vão todos em Ribeirão e em Jaú (onde meu marido também está a cuidar de minha sogra) e a ruminar preocupações com seus gatos, que meu pai, já em casa, não saberia alimentar.

“Mamãe, vamos fazer assim: primeiro vamos cuidar da senhora. Depois se pensa nos gatos, que têm sete vidas”, disse eu.

Conformou-se.

E puxava papo, ora com paciente de uma cama vizinha, ora com o acompanhante de outro, sempre querendo se inteirar das pessoas.

Logo sua antena de generosidade sintoniza um paciente sem acompanhante que reclamava de fome, mas ainda não estava autorizado a deixar a unidade nem por um instante.

“Vai atrás de um salgado para ele, filha”, ordenou-me.

Depois de me informar com a enfermeira se era permitido, fui.

Mamãe sempre foi assim, de pensar demais nos outros, às vezes a ponto de esquecer de si. E sempre cheia de receios de incomodar. Se meu telefonema não a tivesse flagrado na UPA, eu sequer saberia que sofria dores. Tem pudores de avisar.

Quando me viu entrando na sala de observação, indignou-se: “Você veio, filha!” (em tom de censura).

Fui, mamãe. Meu coração sempre irá aonde o seu precisar do meu.

 

P.S. Ela já está bem e em casa.

Lar é onde mora o coração!

* MARCELLA MOREIRA

Minha namorada e eu estávamos à mesa tomando um café da manhã preguiçoso de domingo – aquele a cada 15 dias em minha folga do trabalho e a doídos 200 km de distância – quando comecei a chorar…

Nossa gatinha esparramada no tapete vermelho da sala fazia a manha corriqueira, enquanto o sol entrava pela persiana, riscando parte do sofá.

Nada de especial, a não ser o cheirinho do café moído na hora, o fumegar do líquido preto subindo da cafeteira italiana e o riso suave de quem sabe estar vivendo um momento de milagre.

Não temos luxo quase nenhum, mas muitíssimo mais que a falta de possibilidades da maioria que vive em nosso País. A maior riqueza é, dentro daquelas quatro paredes, não sentir medo, seja pela falta, pela incompreensão, pelo desrespeito, pela injustiça, pelo desamor e de tudo mais.

“O mundo está desabando lá fora. Chega a faltar vontade de continuar. Mas daí chego em casa e é tão bom saber que ela é um paraíso”, falei, na certeza de que minha companheira poderia receber minhas palavras como uma grande declaração de amor.

Casa é a mesa redonda de vidro que ela herdou da avó, que lutou bravamente contra o câncer por quase uma década. É aquela minha mesinha de pés palito recoberta de marchetaria, que (infelizmente!) carrega marcas das nossas taças de vinho. Também é o banheirinho da nossa filha peluda, necessário, indispensável e que tentamos fazer com quem componha o ambiente da maneira menos traumática possível.

Enquanto para algumas pessoas é bacana a assinatura do designer e até o preço investido num móvel, pra nós, porém, vale mais a história e o afeto que as coisas carregam.

Pra gente, casa tem que ser lar, aquele lugar onde mora o coração.

 

(*) Marcella Moreira é jornalista freelancer, mineirinha, “mãe de gata” e palavreira sensível


 

Toda semana, às quartas, o blog traz a crônica de um(a) ‘palavreiro(a)’ convidado(a). O convite é extensivo a todos que gostam de palavrear a vida em forma de crônicas.

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