Eu o vi de longe e já o achei bonito. Tanto que fui preparando a câmera do celular para clicá-lo através da porta de vidro, à medida que me aproximava da entrada de meu prédio. Temia que fugisse assim que abrisse a porta, já que gatos são, via de regra, ariscos; não ficam assim parados no mesmo lugar quando alvejados por qualquer atenção não-familiar.
Quando abri a porta, o cheiro de urina com sangue assaltou com força minhas narinas. Ao observá-lo de perto, entendi.
O pelo com um encardido de semanas, a parte traseira do corpo molhada, a poça de xixi embaixo, as patas traseiras machucadas e paralisadas… era um animal muito doente!
Rememorei várias vezes este momento, esquadrinhando os instantes em que eu poderia ter simplesmente dado de ombros e ido embora para minha consulta médica, tocado minha vida recém-reajustada a uma nova rotina, cuidado de minha saúde e meu casal de gatos saudáveis. Podia não ter voltado da consulta, já que tinha sessão de fisioterapia em seguida.
Mas não. Tinha uns 20 minutos ainda e pedi a meu pai – a quem escalei como motorista naquele dia, por conta de dores na perna direita – que me trouxesse de volta ao prédio para ver se o gato continuava lá.
E estava… encostado na porta, fétido, imundo e sofrendo – percebia-se.
Foi aí que parei de pensar em consequências.
Não me lembrei que era meu aniversário, que havia encomendado um bolo para levar ao trabalho, que tinha de buscá-lo após a fisioterapia – que TINHA FISIOTERAPIA! -, que devia tomar banho, almoçar, pegar o carro para ir trabalhar, que tenho gatos que podem ser contaminados por ele… Gastei o restante da manhã levando-lhe a consulta, exames, dando-lhe um banho à altura da imundície, comprando-lhe caixa, rações molhadas, remédios, instalando-o em minha sacada.
Na volta do trabalho… lavar o chão da sacada tingido de xixi com sangue, limpar-lhe novamente o corpo molhado e cheirando a urina, alimentar, dar água, medicar…
“Gastei o restante da manhã levando-lhe a consulta, exames, dando-lhe um banho à altura da imundície, comprando-lhe caixa, rações molhadas, remédios”
E no dia seguinte descobrir, por meio de ultrassonografia, que sua coluna está intacta, mas que a incontinência é resultado de um tumor na bexiga e a paralisia provável desdobramento das temidas Fiv/Fev (respectivamente aids e leucemia felinas, que derrubam a imunidade de bichanos, deixando-os vulneráveis a todo tipo de enfermidade).
Chorei de desespero ao saber que posso ter favorecido o contagio de meu dois gatos, de alarme ao saber os preços dos procedimentos necessários e de medo do risco de, depois de tudo feito, ele não melhorar.
A questão financeira foi aliviada por uma “vaquinha” que a amiga Janice Kiss sugeriu que eu arrecadasse entre amigas gateiras. Ajudou!
Mas aquele medo todo some sempre que olho pra ele, dócil, resignado em sua caixa nova, teimoso em continuar sustentando-se sobre duas patas. Agora mesmo o vejo tentando – sem sucesso, claro – escalar a caixa de areia que improvisei a seu lado. Em seguida testemunho arrastar-se por todo o perímetro da sacada para um reconhecimento da área.
Percebo que Bob – como passei a chamá-lo, em referência ao livro “Um Gato de Rua Chamado Bob” – é um forte! Sua insistência em tentar levantar mesmo com os membros traseiros paralisados e sua docilidade ao ser manuseado, apalpado e transportado para lá e para cá dão a dimensão de sua fibra.
Sei que não posso ficar com ele para sempre, devido à minha própria condição de recuperanda de um acidente grave, mas estou feliz por ter resgatado um guerreiro. Ele quer viver e pretendo lhe franquear todas as chances ao meu alcance.
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