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Prece pra meus ídolos viverem pra sempre

A cada aniversário de Bethânia, Caetano, Gil, Chico Buarque ou qualquer um de meus “ídolos supremos” (tenho que rankeá-los por adjetivos, porque tenho muitos e em todas as artes) me vem sempre o mesmo desejo-pensamento-mega-egoísta: “tem gente que devia aniversariar pra sempre!”. Nunca morrer nem parar de fazer arte.

Porque, do contrário (aiaiai… não gosto nem, de pensar)… Imagine nunca mais ouvir uma nova música ou um  álbum inteiro, novinho em folha, na voz da Maria Bethânia!!! Sobe um frio pela minha espinha imaginar nunca mais assistir a um novo show ao vivo (mesmo que gravado) com sua interpretação magnética e arrebatadora! (Caetano, Gil e Chico idem, mas não foram eles a aniversariarem neste 18 de junho).

Descobri da pior forma o quanto dói isso de perder alguém com o poder de “salvar seu dia” (por vezes sua vida)” só com a sua arte: tinha 21 anos quando morreu Fred Mercury – pra mim a voz mais linda do rock de todos os tempos! (entre os vivos é a do Eddie Vedder). Fiquei muito triste na hora, mas não me descabelei. Só fui sentir luto pesado mesmo cerca de um ano depois, quando fazia mais uma maratona auditiva do Queen e caiu minha ficha de que nunca mais ouviria nada novo na voz dele. Cara… nem sei descrever o abismo que encarei com aquela ausência!

Quando se foram Renato Russo e Cassia Eller, eu já tinha a dimensão real do impacto de uma perda dessas pra quem tem música como religião – lembro exatamente onde estava quando recebi a notícia sobre a morte de ambos… a da Cássia até que cheiros senti na hora e de como, de repente, aquele início de noite agradável com meu amor numa mesa de pizzaria perdeu todo o sentido.

Até hoje, quando ouço alguma gravação da Cassia cantando, me vem esse luto reincidente: “aaaaai… nunca mais novas interpretações viscerais nessa voz passional, que rasga o ouvido e apura os sentidos…”. E aqueles agudos arrepiantes de barítono do Renato cantando poemas que falam tão pra dentro de mim… como não ter saudades doloridas?!?!

Scott Weiland (Stone Temple Pilots) e Chris Cornell (Soundgarten, etc) não estão em minha categoria de “supremos”, mas também sinto falta.

É tão sério pra mim isso de saudades artísticas que, a cada vez que um de meus ídolos aniversaria, faço uma prece de gratidão. Fiz uma hoje por Bethânia, logo que fui lembrada de seu aniversário no primeiro telejornal da manhã. Depois, pus no rádio do carro sua playlist pra tocar, começando por “Onde Estará o Meu Amor” e cantarolei junto com uma alegria de festa! Percorri o trânsito caótico entre minha casa e a de meus pais no clima que toda obra de arte arrebatadora causa em mim: uma sensação de plenitude e perfeição, como se tudo no mundo estivesse exatamente onde deveria estar.

E agora mesmo, vendo outra matéria sobre o aniversário de Bethânia no telejornal da noite,  atrevi-me a rezar outra prece – esta bem mais egoísta: “por favor, Deus, faça ela aniversariar pra sempre! (E também Caetano… e Gil… e Chico… e Marisa… e Nana… Zélia… Eddie… Zizi… McCartney… Herbert… e o parêntese não fecha, nem o texto acaba porque a lista não tem fim…

Os ídolos e nós

Meu pai na década de 1960: goleiro conhecido como Zague

Gylmar com Pelé na Copa de 1958: o ídolo de meu pai

O futebol é um grande celeiro de ídolos no Brasil. Os motivos pelos quais escolhemos um ou outro diz muito sobre nós.

O primeiro ídolo de meu pai foi Gylmar dos Santos Neves (1930-2013), goleiro da seleção brasileira que conquistou as duas primeiras Copas do Mundo para o Brasil, em 1958 e 1962. Quando papí (como eu e minhas irmãs o chamamos) iniciou-se nesta idolatria, por volta de seus 14 anos, Gylmar já era campeão paulista pelo Corinthians, não por acaso o time de coração de meu pai até hoje. Não por acaso também, ao ser recrutado na categoria juvenil de um clube de Bernardino de Campos (SP) – onde viria a conhecer minha mãe -, papí foi ser… goleiro! Ganhou a vida assim, sob o apelido de Zague (não confundir com o do Corinthians), até seus 29 anos, quando nasci.

Meu pai conta que não idolatrava Gylmar apenas por seus feitos em campo, que foram numerosos a propósito. “Ele era muito família, bom pai, bom caráter, um campeão em tudo… e considerado um dos homens mais elegantes do futebol”, conta-me papí, que também segue vaidoso até hoje.

Pesquisando sobre a vida de Gylmar, aliás, li uma crônica adorável de Milton Neves contando sobre como o casamento do goleiro sobreviveu a uma oposição de 17 anos do sogro. Teve três filhos com Rachel, com quem ficou por 59 anos, até o fim de sua vida, aos 83.

Já o primeiro ídolo do futebol do outro homem mais importante de minha vida foi Zico, o “galinho de Quintino”. Márcio, meu marido, também diz que não o tinha como ídolo apenas por sua “classe como jogador”. “Pelo caráter e personalidade também. Sempre se mostrou um cara do bem”, justifica uma das pessoas mais “do bem” que conheço.

Eu mesma guardo uma lembrança viva de Zico na Copa de 1982, a primeira a que assisti em minha vida. Em um dos episódios do jogo que mandou aquela seleção (MARAVILHOSA!) para casa, Zico caminha calmamente em direção ao juiz mostrando um enorme rasgo em sua camisa – prova de falta adversária na pequena área digna de penalidade máxima… que o juiz não deu. Nem por isso Zico fez cena. Voltou a jogar, com a classe e o profissionalismo de sempre.

Quanta diferença do grande ídolo brasileiro do futebol dessa geração Milennium!

No jogo da seleção brasileira contra a Costa Rica, na Copa da Rússia, o jogador mais caro do mundo encarou o juiz com ódio ou ironia mais de uma vez, socou a bola numa explosão que lhe valeu cartão amarelo e distribuiu palavrões perfeitamente traduzíveis por leitura labial na TV. Ao final, cena de choro e declaração unilateral em rede social – recusou-se a dar entrevistas.

Para o colega Alexandre Reis, este comportamento infantil nem é o maior defeito de Neymar Jr., mas a omissão política. Para o jornalista, um ídolo deveria usar sua influência para causas maiores, como o fez o seu próprio: Sócrates, mentor da Democracia corintiana e defensor declarado das Eleições Diretas em plena ditadura militar, embora, na vida pessoal, tenha sucumbido ao alcoolismo – uma doença que não se escolhe ter, mas pode-se escolher aprender a controlar.

Eu já não espero tanto. Para mim, tanto Sócrates tinha o direito de escolher como levar sua vida pessoal quanto Neymar o tem de preocupar-se mais em gastar seus milhões em diversões e hábitos caros – que inclui bancar o acompanhamento de seu cabelereireiro e “parças” aonde for – do que com a política brasileira.

O que me preocupa, na verdade, é saber o que leva a atual geração a eleger como ídolo um jogador que tenta forjar penalidades na malandragem, desrespeita a autoridade maior em campo e reage a provocações do adversário com xingamentos e insultos.

Será um indício de que valoriza-se, hoje, o sucesso pelo sucesso pura e simplesmente, não importando a conduta de quem o alcança?

E não me venham justificar o comportamento de Neymar com a grande pressão por resultados que sofre, pois não deve ser diferente da que já pesou sobre os ídolos que o antecederam. E deve ser a mesma – se não maior – sofrida pelo melhor do mundo, Cristiano Ronaldo. Se Neymar não sabe administrá-la com a mesma elegância, ao menos deveria fazê-lo com educação e respeito, pois não se é ídolo impunemente.

Um ídolo inspira uma geração… é seguido, imitado – como meu pai a Gylmar e como eu mesma a meus mestres José Eduardo e Ely Vieitez Lisboa, entre outros.

Se a escolha dos ídolos, sozinha, definissem o caráter de uma geração, eu temeria – e muito – pela que atualmente endeusa Neymar Jr. E isso explicaria muita coisa.

 

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