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Morre Uma Estrela

por Cleido Vasconcelos

Antes de mais nada, seria de bom tom de minha parte avisar que eu sou super a favor da pirataria. Acredito que é através dela que derrubaremos a hegemonia midiática, tanto baixando músicas e filmes de grátis, quanto produzindo e postando em plataformas digitais, músicas e filmes. Com isso, a industria cultural cairá na real e passará a fornecer conteúdo, se nao de graça (patrocinado), pelo menos por um preço bem acessivel. Preço este que vai fazer com que eu tenha preguiça de baixar filme, procurar legenda, ver se tá sincronizada e resolva assistir por streaming. A conclusão de tudo isso será que as estrelas morrerão enquanto star system tradicional de hollywood. Nada mais de fazer um filme por ano e ficar coçando e gastando os zilhões de dolares que ganhou com ele. Morre uma estrela e nasce uma atriz do proletariado. Aquela com carteira assinada com contrato CLT e longe de sonhar com algum tipo de aposentadoria antes dos 120 anos de botox, preenchimentos e pilates.

Posto tudo isso neste prólogo, seria mais de bom tom ainda dizer, de minha parte, que eu paguei R$18,90 para assistir este filme pelo serviço de streaming do iTunes. Sim, sim, eu sou uma dessas pessoas que baixavam filme enlouquecidamente, mas que parou bastante com isso pq tem mais preguiça de procurar uma legenda que funcione e uma cópia digna de qualidade, do que de pagar o streaming. Se bem que 18, 90 eu acho muuuito caro e, por incrível que pareça, isso pode ter ajudado a influenciar no resultado final do que eu achei sobre este filme.

Já teve quatro versões de Nasce uma Estrela, eu procurei lá no google, eu só vi a da década de 1970 com a Barbra Streisand e essa agora. Confesso, não sou muito fã de musicais. Quando é um musical igual a este em que a pessoa é uma cantora e só canta nas horas que ela está cantando eu ainda dou conta. Mas aqueles em que alguém tá almoçando e diz, Me passa a salada? E o outro responde, A salada? E já sai cantando e sobe em cima da mesa e os garçons dançam sincronizados, eu tenho muuuuuuuuita dificuldade em dar conta. A exceção desta minha regra fica com Sweeney Todd do Tim Burton, Hair do Milos Forman, Moulin Rouge do Braz Luhrman e The Wall do Alan Parker.

“E a Lady Gaga vcs sabem né? Ela é foda! Mais do que isso, ela é fodástica”

Eu me lembro que eu meio que gostei da versão da Barbra de 1976, apesar de estar no apogeu de minha juventude pré-universitária roquenrol alternativo pink floyd psicodelico progressivo futurista e músicas da Barbra Streisand nao ser lá o que uma pessoa como eu era naquela época gostar de ouvir. Então, nunca me empolguei muito com os nascimentos das estrelas no interior das Nebulosas.

Mesmo assim, resolvi assistir esta nova versão por três motivos. Primeiro que falaram muito bem dela. Segundo pq minha filha insistiu muito e passou as férias inteiras querendo que eu assistisse pagando o streaming da apple tv. E finalmente e o mais importante, pq tinha a Lady Gaga. E a Lady Gaga vcs sabem né? Ela é foda! Mais do que isso, ela é fodástica. Admiro a estratégia dela de começar cantando com vestidos feitos de carne fresca e outras exotices e terminar (por enquanto) gravando um disco com o Tony Benett só com standards do cancioneiro norte americano e arrasar e mostrar pra todos a puta voz que ela tem e a cantora que ela é. Então la fui eu ver o filme, com o pequeno agravante de ter pago 18,90 e isso me deixar meio q desconfortável e intolerante para aquilo que eu nao tolero.

Gostei muito do começo do filme, intimista, a maneira com eles se conhecem, a boate e a homenagem ao fiel público drag da lady. Chorei com ela cantando La Vie en Rose, chorei quando ele chama ela ao palco. Mas depois, a fonte secou. Achei o filme beeeeem comprido. E acho q ele tem uma barriga fenomenal no meio que faz vc pensar de tempos em tempos em que hora que o carinha lá vai conversar com o Kurt Cobain. Outra coisa que ajudou bastante e eu ja tinha avisado vcs no inicio deste texto, é que eu não suporto muito estas canções norte-americanas que são feitas pra ganhar o oscar de melhor canção e ganham quando não tem algum desenho da disney no páreo. Eu não gosto do jeito que a Lady Gaga canta no filme, das canções. Aquilo nao me emociona. Gosto mais das músicas do começo que o ensebadinho (alguém podia passar um pó compacto naquele moço roqueiro please?) canta. Não sei, nao sei se foi os 18,90, mas nao shipei o casal. Entendo até que o moço se beber nao case é bonito e precisava dar uma estragadinha no visual dele pra ficar mais outsider roquenroll. Entendo também que é o mesmo filme de sempre de hollywood para ganhar oscar que quando ganha a gente diz, Ah, é filme de oscar, por isso ganhou! Entendo tb que é um filme que arrebatou milhões de gente e de dinheiro e que, por isso, é um excelente produto da industria a que pertence. Mais entendo ainda que é uma história que, a essa altura do campeonato, já é arquetípica e que essa versão nada mais é que the same old story atualizada para as gerações atuais (reparem por exemplo que, agora, o nascimento de uma cantora também envolve coreografia intensa com as bailarinas de palco). O final é bonito pois ele consegue evitar a overdose de melação post mortem que se costuma derramar nos filmes deste estilo de hollywood. O close no rosto dela suave e triste conseguiu recuperar, pra mim, uns quatro pontos na escala Cimino’s Portal do Paraíso de flopagem de películas.

Mesmo assim, não consigo ver um acréscimo que este filme possa ter feito às outras versões da mesma história. Mas aí eu me pergunto, Existe realmente a necessidade, em um filme, de se acrescentar algo na história do cinema? Um filme não pode ser apenas entretenimento? E eu respondo, Sim, um filme pode ser apenas um filme. E digo mais, sempre que eu começo a pensar nisso é pq o filme realmente não me arrebatou. Pois, lembre-se, eu não gosto de musicais, não gosto destas musicas que se cantam em duplas estilo jane e herondy e eu ainda paguei pra ver este aqui. Assisti completamente contaminado pelos meus proprios juízos de gosto e preconceitos. Portanto, pessoas queridas, o problema de eu ter achado tudo meio que meia boca inteira, com certeza, é meu e não do filme.


Cleido Vasconcelos
é artista visual, performer, professor e cinéfilo

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