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Amigos na Ponta dos Dedos

ELCO THENÓRIO *

Com o advento das redes sociais as relações interpessoais tornaram-se expressas, imediatas, ao alcance de um clique. Isso não significa necessariamente que tenha havido modificações estruturais na forma como as pessoas se relacionam, pois mudam os meios e não as mensagens, mas certamente tornou-se mais fácil monitorar as próprias relações com o nosso universo de parentes, amigos e conhecidos. Aliás, até de desconhecidos os quais, graças a essas redes, hoje caem de paraquedas nas nossas vidas.

Assim, ao abrir o Facebook, por exemplo, que das redes sociais é a mais social, vejo à minha frente um verdadeiro mapa de como anda minha amizade com cada um daqueles “amigos”, entre aspas porque nem sempre o são (aliás, qual seria a palavra correta neste caso? Ciberamigos? Facefriends?).

E o que vejo? Vejo parentes com os quais não mais me relaciono, outros que sim embora nunca. Vejo amigos de verdade que me são tão caros na tela quanto na vida real, alguns em outros continentes. Vejo conhecidos de todos os matizes, dos mais familiares àqueles que nem sei de onde os conheço. Vejo completos estranhos que, por uma razão ou outra, vieram dar com os costados (virtuais) ali. E vejo até – para o cúmulo do assombro – pessoas queridas que, bem sei, já neste mundo não existem.

Vejo, enfim, num relance meu entorno social clara e ordenadamente catalogado.

Só não vejo aqueles que um dia foram amigos, os quais a vida, ao fluir pelas curvas de seus meandros, desviou para longe. Pessoas que me foram caras num passado, recente ou remoto, mas que já não pertencem ao meu círculo. Algumas que me baniram de suas relações, outras que as bani eu. Algumas das que me cortaram relembro com pesar, outras com alívio. Das que cortei, invariavelmente sinto alívio ao delas me lembrar.

Alguém disse que “ex-amigo não existe, o nome disso é filho-da-puta”. Eu não iria tão longe. Acho natural que certas pessoas, do bem, que até foram queridas um dia, tenham enveredado por caminhos outros, porque nesta nossa vida alguns vieram para ficar, outros estiveram de passagem.


‘Vejo, enfim, num relance meu entorno
social clara e ordenadamente catalogado’


Há algum tempo fiz uma incursão de bicicleta pelo sul da América e diariamente postava a evolução do pedalar bem como, sempre que dava, uma reportagem acerca de qualquer pauta sobre sustentabilidade com a qual me deparasse. Isso fez com que centenas de pessoas afeitas ao ciclismo e/ou à aventura, mas que me eram totalmente ignotas, se agregassem ao meu perfil. Por essa razão, e só por essa, tenho hoje mais de 1.600 “amigos” no Facebook. A grande maioria, desconhecida, silenciei, o que significa que só sei deles quando a rede me avisa que aniversariam. Mas o curioso é que não os deleto… Estão lá, como esqueletos no armário, entes dos quais sequer o ectoplasma se manifesta. Mas estão lá. Refletindo agora, acho que me agrada ostentar 1.600 amigos, ainda que eu seja uma das pessoas mais solitárias que conheço. É mais do que raro que esteja diante de mim algum deles animado em carne e osso.

Certa feita ao telefone um velho e grande chapa, daqueles de ter morado juntos, me disse: “Nunca te falei, mas não me sinto à vontade na tua presença” – e desse dia, há mais de uma década, nunca mais nos vimos ou falamos. Por um tempo, chocado, o rotulei negativamente, para ser ameno, a cada vez que de sua pessoa me lembrava. Depois, como tudo amadurece, até os pensamentos, passei a admirá-lo. Isso porque invertendo a situação, há um amigo na presença do qual eu não me sinto à vontade – mas ao qual até hoje eu não tive a coragem de dizer tão sinceras palavras. Apenas sumi inexplicadamente.

Desnecessário dizer que não sou perfeito e esta é mais uma prova disso. Porém, relembro estes dois episódios para seguir discorrendo sobre a natureza das relações humanas nos internéticos dias atuais – sem com isso pretender chegar a alguma excelsa conclusão filosófica. Chegue quem lê, parodiando o poeta. Mas no perfil do primeiro, que já não mais está atrelado ao meu, às vezes entro por uma mórbida curiosidade de saber a quantas anda meu velho camarada. No do segundo jamais o fiz. Parece que não me sinto à vontade sequer de fazê-lo. Mas o fiz neste exato momento e constato que, mesmo abandonado, não me cortou. Surpreendentemente, porque as pessoas não lidam bem com o abandono.

Exemplifico: num outro caso, mais recente, um grande amigo não respondia aos meus convites para nos encontrarmos no mundo real. Uma cerveja, um papo, matar as saudades…Tentei por umas quatro vezes. Eu de fato o tinha em alta conta. Porém, aquele silêncio foi me incomodando no início e por fim exasperando. Então, num arroubo de zanga, ressentimento, deletei-o sumariamente. O tempo passou, a raiva idem, e há meses enviei-lhe um convite – sempre pelo Facebook – para reatarmos. Ignorou. Tentei novamente com o mesmo resultado. E agora estou na dúvida se tento pela terceira vez ou o mando à merda definitivamente – não sem uma ponta de culpa, outra de arrependimento e, ainda, uma terceira de consternação. Afinal, em breve estaremos ambos mortos.

Lembro-me da sensação de desalento que já por vezes senti quando, ao aperceber-me de que determinad@ amig@ há tempos não dava as caras ia ao seu perfil… só para descobrir que el@ me havia extirpado. Nessas horas sempre costumava me passar pela mente como que um filme do que havia sido nosso relacionamento – e era comum acabar por atinar com a razão que @ havia levado a agir de maneira tão radical para comigo. É como num matrimônio em que as relações se vão deteriorando sem que uma das partes se dê conta em tempo hábil de reverter o estrago.

Seja como for, o que realmente parece ter se firmado é a certeza de que cortar alguém de sua rede social é a forma moderna de se dizer “adeus”.


Esta crônica termina aqui, mas se o assunto lhe agradou talvez gostará do singelo conto “A Tarde“, escrito há tempos com alvitres de meu amigo Leonardo Colosso. Nele, procurei abordar este tema pelo viés mais humano possível. Espero que aprecie.

 

(*) Elcio Thenório é jornalista e apresentador, “pai de gato” e amigo
“indeletável” (do Face da vida)


 

Toda semana, às quartas, o blog traz a crônica de um(a) ‘palavreiro(a)’ convidado(a). O convite é extensivo a todos que gostam de palavrear a vida em forma de crônicas.

VEM PALAVREAR COM A GENTE!’

 

 

A arte, essa estranha arte

Em que pesem – e muito – os comentários nem sempre elegantes sobre as mais recentes exposições nos museus e galerias de arte no Brasil, e por mais estranho que pareça, vejo um lado positivo. Não sou Pollyana, mas estou aprendendo a medir os fatos da vida em algum ponto entre o oito e o oitenta.

A discussão infindável nas redes, com argumentos até grosseiros de um lado, e outros tentando explicar, que digamos, é inexplicável, mostrou a que veio a arte. Arte é reflexão e não enfeite de parede combinando com móveis e tapetes.

Acho que pessoas que jamais se interessaram por arte, são as que mais postam comentários exacerbados, condenando as performances, quadros e idéias de anos e até séculos atrás. Podem não gostar, não entender,condenar – isso é um direito – mas não precisa ofender.

E o interessante são os argumentos, dos dois lados, de quem acusa e de quem defende, palavras duras, levadas para o lado pessoal, criando até inimizades e ligando os defensores ao esquerdismo. Ainda não encontrei esse ponto de encontro.

E penso que, apesar de algumas exposições terem se encerrado em função da pressão dos internautas e deputados que propõem tortura, o sentimento e as ideias do artista eternizadas na tela atingiram camadas que, por mais indignados que estejam, não podem deixar de refletir, lá no âmago: que negócio estranho é esse?

Parece que ninguém nunca viu ou ouviu falar nas esculturas que enfeitam praças e obeliscos pelo mundo afora, os registros de figuras nas cavernas e abrigos pré-históricos. Elas estão nos livros, nas páginas de história e não me lembro de ver questionada a liberdade de criá-las a não ser nos regimes fascistas, o que é melhor esquecer.

Estamos discutindo arte, conversando, o que é quase inédito num país que pouco preserva sua história e vivia em silêncio antes do espaço aberto pelas redes sociais. A conversa foi parar nos programas de televisão, no face, no Twitter, no Whats,  virou pauta, e isso me parece bom, pois nos dá a oportunidade de ouvir, comparar, concordar, discordar, aceitar, ou repelir.  Apesar do clima muitas vezes desconfortável, estamos falando de arte, essa desconhecida por muitos, e que agora, ainda que de forma estranha, começa a fazer parte de nosso olhar.

E assim, vamos conhecendo melhor o mundo como ele é – cheio de diversidades, opiniões, sentimentos – e não como gostaríamos que fosse, um mundinho particular, só nosso, cultivado entre as paredes de casa.