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‘Que a Força esteja com você’!

Após assistir ao último episódio da série “O Mandaloriano” (disponível no streaming da Disney Plus), produto da franquia “Star Wars“, esta nerd sentiu necessidade de rever trechos de todos os principais filmes da saga. Como sempre, tive renovado o prazer de revisitar os conceitos que me conquistaram ainda menina.

Mas, calma, este não é mais um texto crítico sobre cinema e séries. Está mais para um inventário pessoal sobre as razões para esta saga em específico ter conquistado minha idolatria. E elas estão todas nos subtextos da história criada por George Lucas e agora tocada pelos roteiristas da Disney com total fidelidade a seus princípios.

Já escrevi neste blog o porquê de a personagem princesa Leia ter sido a primeira heroína do cinema que eu quis ser (leia aqui). Hoje quero falar sobre os conceitos filosóficos que Lucas foi buscar em diferentes religiões e culturas – taoísmo, budismo e espiritismo – e foram determinantes na construção de algumas de minhas crenças.

Eu era uma criança com menos de 10 anos quando assisti pela primeira vez à trilogia que deu origem às demais. Claro que a alegoria das viagens espaciais aguçou minha imaginação de menina, mas foi a filosofia contida no conceito da Força (um campo magnético que envolve todas as coisas do universo) que primeiro me conquistou.

A frase “A Força esteja com você” fez todo o sentido para mim. E veja, nesta idade eu nem havia começado a estudar as teorias do espiritismo kardecista (religião em que nasci) e sequer sonhava existirem as filosofias nas quais Lucas “bebeu” para criar seu universo fantástico. Mas hoje reconheço ter sido a saga determinante para que, mais velha, eu sentisse curiosidade de ler sobre tais filosofias e, conscientemente, abraçar o espiritismo, independentemente da influência familiar.

Como algumas religiões orientais, também o espiritismo entende haver uma energia sutil que não só envolve a tudo e todos, mas também está dentro de nós – bem lá no núcleo de nosso espírito, sufocada pelas camadas de energias pesadas tecidas pelos sentimentos mundanos que fabricamos com nosso ego (ódio, mágoa, orgulho, entre outros derivados do egoísmo). Essa matéria é parte da força criadora à qual chamamos Deus, mas só conseguiremos acessá-la dentro de nós quando nos livrarmos das tais camadas negativas – para aprender isso vivemos neste mundo de provas e expiações.

Na saga “Star Wars”, alguns indivíduos nascem com maior facilidade para acessar a Força (o que em espiritismo chamamos mediunidade). Mas, tal como o médium, que sem treinamento pode ser usado por espíritos mal intencionados, os detentores dessa faculdade precisam ser ensinados a dominá-la. Treinados para usá-la pelo bem comum, tornam-se jedis [pronuncia-se jedais], espécies de guerreiros da Luz que pregam a paz, o conhecimento (principalmente o auto-conhecimento) e lutam apenas em nome de defender esses conceitos. Qualquer semelhança com os samurais, da cultura japonesa, que lutam em nome da honra, não é mera coincidência!

Mas existem na saga os jedis que escolhem atuar no lado sombrio da Força, que é todo sobre poder, ganância e dominação. São os sith.

A Luz e as Sombras

Lucas foi buscar na filosofia chinesa do Taoismo o conceito dual do lado escuro e o da luz (o Yin-Yang), que devem ser mantidos em equilíbrio para que haja harmonia no universo. Do budismo, usou o de desapego e  tentativa de superação do medo para evitar o lado sombrio.

Luke e Rey encaram suas sombras

Em um dos episódios da primeira trilogia, por exemplo, Luke Skywalker está sendo treinado pelo mestre Yoda, no planeta Dagoba, quando entra numa caverna e se depara com o vilão Darth Vader. Seu impulso é golpeá-lo com seu sabre, mas quando a cabeça do oponente rola ao chão, seu capacete danificado revela o rosto do próprio Luke. Uma metáfora de sua derrota para si mesmo, por ter cedido automaticamente a seu medo. “O medo é um caminho para o lado Sombrio. Medo leva à raiva; raiva leva ao ódio; ódio leva ao sofrimento”, explica o mestre Yoda em “A Ameaça Fantasma” (1999).

Foi o ódio suscitado por uma perda (falhou no desapego) que levou o jovem Darth Vader para o lado escuro da Força. E será o amor que o redimirá no último episódio da primeira trilogia.

Em suma, segundo a filosofia jedi, só se alcança a Luz através do amor (conceito base do cristianismo) e do desapego (budismo).

Mas este não é um caminho fácil. Enquanto o caminho para o lado sombrio é sedutor e orgânico, por ir ao encontro das aspirações de nosso ego (afinal, ele existe para nos manter vivos em territórios hostis), o da Luz demanda disciplina, renúncias e vigilância constantes, além de esforço para amarmos até nossos inimigos (já leu isso em algum lugar, né?).

Não por acaso os jedis protagonistas da saga – Anakin/Darth Vader, Luke, Rey, Ben Solo/Kylo Ren – estão sempre encarando suas sombras em simulacros de cavernas (esta uma referência a um mito de Platão). Uma alusão ao fato de que todos temos dentro de nós o bem e o mal, a luz e as sombras. “Prevalece o lado em que escolhemos atuar”, já disse o personagem Sirius Black ao afilhado Harry Potter, em um dos filmes da saga de J. K. Rowling – também cheia de subtextos edificantes (adoroooo!).

Dito tudo isso, se você ainda acha que “Star Wars” é só sobre batalhas espaciais, está perdendo o melhor da experiência: as reflexões. Mas sempre é tempo de rever a mesma história com outros olhos.

Que a Força esteja com você!

A primeira heroína que eu quis ser

Não me lembro quantos anos tinha quando assisti ao primeiro “Star Wars” da minha vida, mas sim o impacto que me causou. Tudo, do roteiro ao visual,  era original e revolucionário, mas nada me deu tanto prazer quanto assistir à personagem princesa Leia – a primeira heroína que eu quis ser!

Naquela década de 1980, eu estava acostumada a assistir mocinhas chorosas e frágeis no cinema e nas novelas.  O máximo de “girl power” a que as garotas de minha geração tinham acesso pela dramaturgia era a Mulher Maravilha da TV – fortona, mas derretida por seu sargento Rogers e usando um uniforme que era puro fetiche para o sexo oposto: maiô decotado, pernas de fora e botas de cano alto e saltos 10 (alguém aí já viu algum super-herói masculino quase mostrando a bunda?).

A princesa Leia era revolucionária total! Como assim uma heroína vestida até o pescoço, que guerreava de igual para igual e lado a lado com os homens e nunca chorava ou pulava no primeiro colo masculino ante uma ameaça?

E o que foi aquela despedida de seu apaixonado Han Solo, prestes a ser congelado e talvez morrer no processo!?! … Nenhuma lágrima e uma declaração de amor sem firulas ou gestos dramáticos. E quando ela vira prisioneira após tentar salvá-lo, até de coleira no pescoço e acorrentada a um monstrengo nojento e babão manda pose de “fodona”!

Hoje entendo porque a princesa Leia foi a primeira heroína com a qual me identifiquei: ela não era feminista simplesmente porque não precisava (aliás, não se vira qualquer tipo de militante por direitos porque se quer, mas porque se é vítima de alguma opressão), mas ai de quem atravessasse seu caminho!

Leia já se sentia, agia e era vista como uma igual pelo sexo oposto. Uma verdadeira “girl power”. Como não querer ser ela?