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Novo ano, velha saudade

O ano começou pra mim requentando saudade antiga de perdidos dezembros.

Mora dentro de mim desde a primeira infância, nascida de lembranças que até hoje me vêm como as mais felizes de todas, porque de uma felicidade genuína e plena, como só as crianças conseguem sentir.

Sobraram delas apenas flashes de imagens, mas a lembrança do sentimento está intacta, como se eu o tivesse sentido ontem.

Começavam sempre em dezembros essas lembranças, quando ouvíamos uma buzina alucinada à porta de nossa casa, na avenida de terra à beira de um ribeirão Preto margeado de mato.

Ainda enxergo na tela da memória meu tio Silvio (a quem devo meu nome) à direção de sua Belina, que chegava lotada com minha tia, primas e – nas últimas visitas de que me lembro – também de meu primo temporão, Silvinho.

Marlene, Silvinho, Márcia, tia Célia, tio Silvio e Margareth agachadinha: morro de saudades!

Chegavam sem avisar (era um tempo em que telefone em casa era coisa pra ricos) e não enxergávamos o menor problema ou indelicadeza nisso. Ao contrário, celebrávamos extasiados a surpresa, que sempre inundava os ânimos de minha família de um clima de festa, celebração, alegria.

A criança que fui respirava dentro desses dias como se dentro de um sonho bom, desses de que a gente nunca quer acordar.

As noites terminavam tarde e a hora de dormir transformava os chãos dos quartos e sala em um mar de colchões forrados com toda a roupa de cama que houvesse na casa.

Ainda me fecha a garganta a saudade de tardes de cantoria ao violão… a imagem de meu pai arranhando as cordas com seus poucos conhecimentos de acordes… o tio improvisando percussões e a filharada espalhada pelo chão acarpetado. A mãe e a tia ouviam tudo da cozinha, mobilizadas nos afazeres das refeições.

Às vezes o tio colocava a criançada mais nova no carro e saía a passear pelas ruas do bairro, àquela época muito tranquilo, meio esquecido até pelos carros, pois que suas ruas morriam todas no rio sem pontes.

Vez ou outra ocorria de rolar um sorvete, mas era raro. Não éramos famílias para ter dinheiro fácil para pequenos prazeres. Mas não lamentávamos porque, na verdade, não se sente falta do que não se permite desejar.

O tio sempre me cobria de mimos, abraços… chamegos que brotavam naturais, sem maldades, do mais puro amor.

As primas, muito mais velhas que eu, me mimavam.

Eram visitas em que eu me sentia envolvida em muito amor e alegria.

Cessaram de repente, por volta de minha puberdade, nunca entendi direito o porquê, e eu passei a cozinhar saudades silenciosas todo dezembro.

As famílias se distanciaram. Primas e primos casaram-se e tiveram filhos sem se avisar.

Enfim… a vida aconteceu nas distâncias, com cada um tangendo a sua sem pensar ou lembrar que um dia as pessoas se vão sem volta.

Nos últimos anos eu e minhas irmãs retomamos contatos via rede social com os primos, principalmente Silvinho que, prodígio desde criança, tornou-se pedagogo, enólogo por hobby, marido e pai amoroso, como o fora meu tio até o fim.

Tio Silvio morreu no último dezembro (logo neste mês).

Meu pai não pode despedir-se, pois recuperava-se no hospital de três cirurgias intestinais, que nos surpreenderam quando ainda lidávamos com um infarto sofrido por mamãe.

Não contamos logo. O médico aconselhou esperar ele ficar mais forte. Quando soube (fui eu a contar), chorou muito. “Ele não foi um irmão, foi um pai. Ajudou a me criar  e os outros irmãos”, justificava entre soluços.

Não chorei, pois o sabia sofrendo de um câncer avançado.

Evoquei o amor que ainda mora dentro de mim nas orações que lhe dediquei e agradeci a Deus por ele e por todo o amor que me fez sentir.

Descanse em paz meu amado tio!

Fica com Deus.